31.10.07

de tela em tela encontro_me







é fácil amar a minha pintura
ter uma tela à frente e de vez em quando deixar passar um olhar
na procura de um amor
de um beijo
de um lugar...
está tudo lá
só depende do que preciso encontrar
e encontro sempre um lugar para amar
ou para chorar...
de tela em tela encontro_me.

26.10.07

d'alma





























fotos bill kane
tem alma negra de tanto chorar
entrelaço-a alinhada e desalinhada
e com cores a enleio desmedida e destemida
nua
crua
ocre
descanso-a em vermelho de ira
sem pecado
qual estátua vestida de cinza
e em desalento alimento-a
de palavras

24.10.07

sem pecado



se eu adormecer também

marco encontro contigo aí em cima...algures num azul de céu.

21.10.07

as linhas


fotos de francesca woodman
as linhas
as linhas são para

de__desenhar
de___desejar

sonhar
esvoaçar

sublinhar
contornar

adormecer
e querer__te
re__viver.

15.10.07

uma questão abstracta

























estive a ler escritos antigos. os meus. o que me levou a pensar: porquê escrever tanto sobre o amor? nestes últimos meses intercalo-me com outras letras. mas não sei porquê tenho-me debruçado mais sobre este assunto. acho que tem a ver com as minhas opções de vida. as novas claro. os meus mais recentes projectos. será?...

nas suas mais variadas formas de expressão o amor conduz-me a tudo. sempre. no que faço. no que digo. no que penso. talvez por não o conseguir concentrar num só nem o agarrar num todo disperso-o.

logo que acordo não dispenso o café. sou dependente de cafeína. aqueço a água e coloco na chávena duas colheres de café e duas de açúcar. este ritual dos pares faz-me pensar...

após o tomar segue-se o primeiro cigarro do dia. é de manhã que as primeiras fumaças me transportam para outras formas de estar. assim ganho coragem para " o primeiro dia do resto da minha vida". fico a olhar o fumo de janela aberta. aquele movimento ondular acinzentado transparente conduz-me a algures num tempo sempre desacompanhada. que sorte por estar assim quieta no meu mais íntimo permanecer. estática. colada ao chão da casa que vou deixar.

abriu-se outra porta. outra etapa de mim. sem olhar atrás porque hoje tenho um projecto de vida. um dia uma amiga aqui em casa perguntou-me se eu tinha projectos de vida. ao qual eu respondi calada. aquilo fez-me pensar. não tinha projecto nenhum. desorientada conseguia encaminhar-me de pé no que na altura fez de mim um labirinto ainda maior do que aquele que sempre tinha tido até essa data.

hoje tenho não um mas vários projectos. de vida claro. e é nessa diversidade que me encontro mais madura mais segura mais senhora de mim. sei o que quero. como quero. quando quero. e com quem quero.

faz talvez dez ou onze anos que me separei. não sei a data ao certo nem quero saber. não me é importante. mantenho como ponto de referência os anos do pedro. fechou-se aí uma fase de mim. cor de rosa no ínicio. no fim bem magenta. lembro-me de uma coisa que a minha avó me disse enquanto na fase de enamoramento. " filha no amor há várias fases. a primeira no namoro é a fase das palavrinhas. a segunda no casamento a fase das palavras. a terceira no divórcio a fase dos palavrões. mas a pior de todas é a última. a fase do palavreado." ainda hoje em dia repito isto com uma boa gargalhada no fim tal como na altura em que a ouvi pela primeira vez.

mas confesso uma coisa. só aos meus piores inimigos desejo a fase do palavreado. é um jogo de malvadez quase demoníaco que nos vai destruindo aos poucos a capacidade de lucidez e de sossego.considero-me por natureza uma pessoa sossegada apesar de alguns desvarios de vez em quando. que falta me fazem! lúcida também. apesar das constantes loucuras que por vezes atravesso. e sabem-me a pouco. mas quando alguém nos finalmentes de uma separação seja ela qual for deita tudo a perder porque já nada tem a ganhar fica como que possuída por falta dessas duas capacidades. e novamente o par. uma dupla de respeito esta. dá que pensar...é aí que tenho de me valer de todos os exorcismos possíveis e imaginários para me livrar dos demónios que me querem alvoraçar. foi o que fiz. bati a porta e nem olhei segunda vez para trás.

eu gosto da loucura. como dizia régio "eu tenho a minha loucura!" os loucos sempre me seduziram. talvez pela criatividade com que conseguem dar a volta às horas comuns do dia
transformando-as em momentos memoráveis.

tenho de comprar um casacão de inverno com quadrados grandes a preto e branco. como aquele do "voando sobre um ninho de cucos". ou então treinar mais o permanecer em silêncio como o índio faz. ou refugiar-me numa casa fazendo-me passar por maluca porque os doidos andam todos lá fora à solta. assim consigo evitar o aprisionamento de alguns momentos que me condicionam no meu bem estar diário tornando-os também memoráveis.

como o de hoje com os meus alunos. tentar falar sobre o conceito de abstraccionismo perante uma plateia que está mais interessada em criticar o padrão das minhas calças com pseudo bolas acinzentadas num fundo neutro de preto quase tapadas na totalidade por uma túnica branca. que fazer para fugir desta condição de alvo de olhares e atenções e tentar conseguir que a mensagem de abstracto chegue limpa e audível à fonte a que é destinada? senti que ali o abstracto era eu...e mandei arrumar.

o amor também é uma coisa abstracta. não se vê. não se toca. não se cheira. não se prova. sente-se apenas.

para mim pode ser uma palavra. dita. escrita. pensada. sentida. um olhar. o respirar. ou apenas o gosto de uma boca. para outros tudo isto limitar-se-á ao abstracto.

acho que os meus alunos têm razão. aqui o abstraccionismo parte de mim. basta começar a pensar nas minhas calças. e isto dá que pensar.

agora façam as interpretações que desejarem...e parem de pensar.

12.10.07

janeiro 1930 diário do último ano






















Para mim? Para ti? Para ninguém. Quero atirar para aqui, negligentemente, sem pretensões de estilo, sem análises filosóficas, o que os ouvidos dos outros não recolhem: reflexões, impressões, ideias, maneiras de ver, de sentir – todo o meu espírito paradoxal, talvez frívolo, talvez profundo.

Foram-se, há muito, os vinte anos, a época das análises, das complicadas dissecações interiores. Compreendi por fim que nada compreendi, que mesmo nada poderia ter compreendido de mim. Restam-me os outros.. talvez por eles possa chegar às infinitas possibilidades do meu ser misterioso, intangível, secreto.

Nas horas que se desagregam, que desfio entre os meus dedos parados, sou a que sabe sempre que horas são, que dia é, o que faz hoje, amanhã, depois. Não sinto deslizar o tempo através de mim, sou eu que deslizo através dele e sinto-me passar com a consciência nítida dos minutos que passam e dos que se vão seguir.Como compreender a amargura desta amargura?

«Attendre sans espérer» poderia ser a minha divisa, a divisa do meu tédio que ainda se dá ao prazer de fazer frases.

Não tenho nenhum instinto especial ao escrever estas linhas, não viso nenhum objectivo, não tenho em vista nenhum fimQuando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo – uma alma – se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que eu fui ou o que julguei ser.E realize o que eu não pude: conhecer-me.



florbela espanca

7.10.07

a palavra amo-te sem ser na primeira pessoa



























há inúmeras maneiras de dizer amo-te. mas a magia reside em não o dizer.

só muito tarde essa palavra foi introduzida no meu vocabulário. e isso porque não conseguia verbalizá-la. sentia-me estranha quando a dizia em voz alta. pensava-a sim. algumas vezes. escrevia-a com mais frequência. mas dizê-la a alguém olhos nos olhos era-me humanamente impossível.


se a memória não me falha a primeira vez que a disse saiu-me vagarosamente como se estivesse a afirmar qualquer coisa de muito grave. senti-me uma estranha. não saiu naturalmente. entendem? era estranho ser eu a dizê-la. porque vinda de outros era normal e até soava bem. apesar de a ter ouvido algumas vezes não muitas. as suficientes para me conseguir familiarizar com ela. não era capaz de dizer amo-te. engolia em seco e permanecia calada.


nestas questões de amor como em muitas outras preciso de tempo. muito tempo. acho que acabam por se cansar de mim. pelo tempo de espera.

quando digo amo-te e muitas raras vezes o faço pareço-me outra que não eu.

a palavra amo-te perdeu todo o sentido hoje no meu dia. porque está gasta. é usada por tudo e por nada. em sua substituição tenho sempre o adoro-te. mas desencontro-me aí da idéia original que uma paixão me poderá conduzir a verbalizar o imenso amor.

guardo o amo-te religiosamente para algum momento único que me esteja destinado. mas como nunca acreditei no destino fico descansada porque não terei de a dizer.

agarro-me perdidamente ao gosto de ti. é mais suave. fácil de pronunciar e sempre soa bem.

o adoro-te é meigo. soa-me a eterno. é divino. porque adoração implica um deus. e eu sei que os deuses não existem. pelo menos terrenos. nunca me cruzei com nenhum. daí também continuar sossegada porque não precisarei de a dizer.


mas preciso urgentemente de amar. alguém. novamente.
às vezes penso porque é que o amor não acontece comigo. todos os que conheço têm alguém. eu não. não percebo. e penso assim "não me merecem". e fico mais conformada.

tem horas que me sinto um pouco perdida pelo vazio que me preenche. são fugazes esses momentos mas o que é certo é que os tenho. com toda a força que o meu coração me fala. e calo-me perante ele. o tempo é rápido. e intemporal é a minha forma de amar. apaixono-me e desapaixono-me com facilidade.

isso acontece porque sempre fugi. com medo de um dia me voltar a acontecer um grande amor. no entanto aguardo-o. e enquanto espero sem busca possível nem mapa nem bússola perco-me em devaneios nas minhas palavras.


guardo religiosamente o amo-te. como se de um ritual se tratasse. comigo mesma. talvez num tempo ainda sem hora marcada eu diga. tarda em acontecer.
escurece-me o coração por não ser já o tempo. ando atrasada para o amor. e ele escorrega-me pelos dedos das mãos como quem foge de mim. e eu dele. apesar de o querer tanto.

3.10.07

o acto de criar em primeiro acto

























o acto de criar é um acto solitário



o estar só não me incomoda nada. pelo contrário. após estar com os outros durante todo o dia quando cai a noite fecho a porta.

aí tenho encontro marcado com o criar. tem dias que é em letras. outros em cor. e ás vezes invento-me nas notas. aí conheço-me segura. sou dona e senhora de mim.



o acto de criar corresponde para mim de igual modo ao acto de me sentar à mesa para jantar ou o do acender o cigarro sempre após o café. preciso de me reinventar todos os dias.



quando fecho a porta transpiro de entusiasmo por me encontrar a sós. desligo qualquer sinal que me incomode. dou apenas algumas breves oportunidades a quem me mereça. a outros solitários que como eu cerram as vidraças quando se sentem ameaçados no seu acto de criação.



a solidão para mim é uma companhia. espectadora de mim invento as linhas que me dão forma. crio as formas que me dão prazer. ilustro as letras que me tocam. e acendo as luzes que me indicam o caminho.



às vezes perco-me. mas sabe tão bem perder-me. chego até a queimar os mapas.



o criar é respirar.
é libertar.
e é amar.



porque cada linha cada cor cada letra é sentimento.
e é-o sempre a sós.