26.3.09

come_se o que se tem vontade. e a vontade é já.

















come chocolates pequena
come chocolates
olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates
olha que as religiões todas não ensinam mais que confeitaria
come pequena suja come
pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes
mas eu penso e ao tirar o papel de prata que é de folha de estanho
deito tudo para o chão como tenho deitado a vida




na tabacaria de álvaro de campos

























come_se o que se tem vontade. e a vontade é já.


se o meu jejum só a mim me diz respeito se quiser comer chocolate deixo de jejuar. rasgo o papel devagar e a prata essa toco_lhe muito ao de leve para tentar conseguir que se não rasgue. de seguida estendo_a pela mesa e passo_lhe os dedos por cima na tentativa de o desembrulhar. após deitada espreguiço_me a saborear. tem de ser amargo claro. bem amargo. um abuso se não amargar. aliso_a junto a mim tão perto mas tão perto que mal se consegue mexer para lhe tocar. é fria. mas dobrada sempre me serve de mortalha. o filtro esse é a tua boca claro. todo o doce tem de ser amargo. doce é o corpo. enrola_se a língua enrola_se o ar enrola_se o cigarro.









come chocolates pequena come chocolates























fotos de daniel nguyen e piotr das









16.3.09

não se precisa dizer nada















até hoje, todas as minhas cartas de amor não são mais que a realização da minha necessidade de fazer frases. se o «prince charmant» vier, que lhe direi eu de novo, de sincero, de verdadeiramente sentido? tão pobres somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade!





do diário de florbela e. 16 de julho 1930












há um mês o fim. sem ter fim. não há fim. mas fim de quê?



há que haver um recomeçar. um começo. um iniciar_mo_nos. sem se pedir sem se querer sem se esperar sem avisar. há que haver um iniciar. sem se dizer porque não se precisa dizer sem se avisar porque não se precisa de avisar sem se querer porque se precisa de se querer sem recomeçar porque não se precisa de começar nada de nada absolutamente nada. há que haver um recomeçar. os gemidos são cúmplices e testemunhos na sala. há que baixar a cabeça como que num voto secreto que se mostra submisso ao que é inevitável. respira_se o ar. inala_se a boca. inspira_se expira_se suspira_se. há quanto tempo assim não se ria. volta_se a encher os copos e bebe_se tudo de um trago. escorre_se o suor na garganta. aproveita_se o facto de ninguém nos espreitar. e lá fora nada se passa. só na sala. passo as mãos pelas costas até ao fim dos braços. lanço_me na pele que conheço de olhos fechados. de vez em quando espreita_se. só para confirmar. que fim anunciado? não há fim. não se espera ter fim. como findar? abrem_se os braços a um sem fim de nada se ter de dizer absolutamente nada falar e só a um não se precisa de dizer nada.



















fotografias de monica k.