"come chocolates pequena come chocolates"
adoça o corpo como se o de um amante se trate
corre-lhe nas veias o preto do carvão que sujava as folhas nas aulas de modelos. as mãos essas fragilizadas por não tactear procuravam o conforto que lhes faltava. espreitava sorrateiramente aqueles corpos nus à sua frente como se fosse um pecado. disfarçava atrás de alguns cavaletes no canto mais fundo da sala. a mina de grafite deslizava timidamente no papel. e transpirava poro por todo o lado. o macio da pele quase que se cheirava. provocava. provocava-me. e era no desenho que se notava mais. riscava o lado exterior à forma. funcionava como um negativo. preenchia-se o vazio do lado de fora.em vez de construir a forma conseguia construí-la desconstruindo-a.
mereceu-lhe na altura com a descoberta desta técnica que mais não passava de uma estratégia para superar a vergonha o elogio do mestre em exercício. e um merecido dezanove no final da cadeira de modelos.
na primeira vez que entrei na sala não sabia bem o que me esperava. no centro um palco mais elevado em madeira onde um corpo às vezes dois teimavam em permanecer quietos durante duas infindáveis horas. mudavam-se de vez em quando para posições mais confortáveis. e eu irritada por recomeçar tudo de novo. e ali ficavam assim rodeados de olhares uns mais indiscretos que outros dos alunos que frequentavam as aulas. era vê-los num rodopio de entradas e saídas frequentes do atelier. e eu permanecia calada no meu canto olhando desconfiada aquela movimentação toda. incapaz de me afirmar queria estar sem que ninguém percebesse que ali estava. vá lá esperar-se que algum deles sugerisse que eu fosse para o palco.
os primeiros croquis foram desastrosos. como representar a nudez se dela não entendia nada. e não olhava. mas teimosamente tentava. perceber aquele amontoado de formas era complicado. quando chegava à parte das mãos desesperava. adoro mãos. mas desenhá-las não. lembrava-me então o quanto o seu toque me era dado. o doce tacto dos dedos finos e longos na palma. o apertar sem força nas costas. o dar. apenas dar. e representava-as assim. fácil.
as aulas de modelos prolongaram-se por dois anos. no segundo entrava descaradamente como se fosse ao bar. sentava-me confortávelmente na primeira fila e olhava abertamente para o palco no centro. então e hoje quem vou desenhar?
engraçado como na altura a nudez se me tornou familiar. deveria regressar outra vez a essas aulas. faziam_me falta. perdi um pouco esse conforto. esse diálogo. essa destreza fina da mina de grafite na mão. perdi esse à vontade com a nudez. perdi o meu lugar no cavalete da primeira fila em frente ao palco. perdi o corpo que me adoça como se o de um amante se tratasse.
"come chocolates pequena come chocolates
come pequena suja come"
fotos de katia chaushera
12 comentários:
Clap clap clap clap...
"...espreitava sorrateiramente aqueles corpos nus à sua frente como se fosse um pecado." Também vi através do que li, agora vou ver se trato de salvar a alma...
Lindo simplesmente...
Na beleza da nudez me senti nestas tuas palavras...
Deixo um beijo terno com votos de uma Boa Páscoa
(*)
beloooooooooo
come chocolates pequena......
jocas maradas...sempre
Gostei da descri�o...deixou-me curiosa quanto aos seus croquis, certamente que ser�o belissimos...uma p+aix�o imensa, tamb�m para mim, desenhar (ou pelo menos tentar) ou fotografar corpos n�s.
Abra�o!
Um esboço em cor de chocolate!...
Boa Páscoa!
abraços!
as mãos despem-se com o despudor natural
pele para sempre nua e para sempre dada
estende-me a tua que eu farei igual
trocaremos cor, doce e pincelada
Gosto igualmente deste teu registo...de me sentir cada vez mais presa às tuas palavras e das imagens que se vão desenhando com a mesma precisão dos teus esboços.
isso aqui está é uma delícia.
gosto muito de aqui vir.
uma boa semana pra ti
beijos
Fuser
não consigo que as minhas mãos tenham essa destreza para o traço...não consigo que elas desenhem o que a minha mente vê...mas consigo que elas abram o "papel de prata que afinal é de estanho", para conseguir acompanhar esta bela viagem que nos proporcionas.
beijinhos e boa semana
bloguemate "agora vou ver se trato de salvar a alma..." porque o corpo esse está perdido.
um momento um nu é belíssimo sim é poema para se olhar
su come pequena suja come
ana mendes os croquis estão religiosamente guardados
tinta permanente um esboço adocicado cai sempre bem um bem haja
tufa tau sabia-me bem uma partilha de cor dor e pincelada
s. prende_te sim deixa_me desenhar_te também
fuser visite sempre bjs
carla são apenas imaginários meus que ficaram guardados na alma e que agora abro em partilha
Excelente.....sem palavras!!!
Um abraço
memory
parece tão fácil transmitir o que nos vai na alma não é? mas não o é...ficam sempre palavras por dizer...
e os pequenos nadas de há tanto tempo tomam agora outra dimensão...
beijo
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