
é
pois é

e é preciso correr é preciso ligar é preciso sorrir é preciso suor é preciso ser livre é preciso ser fácil

é preciso o amor de repente de graça é preciso a relva de bichos ignotos e o lago é preciso digam que é preciso é preciso uma vista para ver sem perfume e outra menos vista para olhar em silêncio é preciso o logro a infância depressa o peso de um homem é demais aqui

e é preciso gente para a debandada é preciso o raio a cabeça o trovão a rua a memória a panóplia das árvores é preciso a chuva para correres ainda é preciso ainda que caias de borco na cama no choro no rogo na treva é precisa a treva para ficar um verme roendo cidades de trapo sem pernas
mário cesariny discurso sobre a reabilitação do real quotidiano manual de prestidigitação

aguça_se o sabor do cheiro. lava_se a língua da secura dos monólogos mantidos a par. a improvisação do texto chega a doer. há feridas na boca que nunca se curam.no acto da chegada jogo à defesa. sem vontade de lançar no tabuleiro a peça única mantem_se de pé. parada e quieta qual estátua de pedra fria. sem cheiro. dá dó de ver.faz lembrar um casulo amassado. calca_se a casca e atrofia_se a pele. machuca_se o odor. transforma_se o cheiro num fedor mastigável após a boca acender o último cigarro. e fica_se sem saber o que dizer. sem fazer. fica_se.nesta dificuldade de continuar em jogo não sei de quê atiça_se a vontade de reinventar novos sentidos. aguça_se então o sabor do cheiro.o perfume que ocupa cada poro daquela pele. a que ocupa o branco da cama com o lençol que se afasta com os pés e o travesseiro que se atira fora pelo ar.é neste tabuleiro que me arrasto vagarosamente desligando a luz da rua que me atravessa os estores mal fechados enquanto a corrente de ar se me atravessa por entre os braços. o único sinal de vida é a respiração quase inaudível que parte em dois a massa atabalhoada de corpos adormecidos pelo quarto.e a hora avançada da madrugada mantem_se fresca como a memória de tantas noites sem ser assim. com o precipitar aposto em não jogar. é um jogo sem sentido que todo o sentido faz.mais uma vez mas desta acompanhada o corpo continua_me frio e esgotado de cansaço. poderia teimar. quebrar o ar pesado com um bafo sufocado. despejar as frases há tanto encravadas. retocar os poros. respirar sem inalar. mastigar o perfume ainda não gasto. lavar a língua nos suores tão familiares.mas há feridas no cheiro que não se saram.
fotos de mike w.