21.12.07

um quase nada de tudo


e porque hoje é vinte e um de dezembro e faço anos. na noite mais longa. no solstício de inverno. frio às vezes como a minha alma nua. dou vivas.


pela vida
pela música
pela pintura
pela cor
pelo amor
pela amizade
pela paixão
pela lua
pela estrela
pelo mar


e quero uma música de liszt
uma pintura de chagall
um piano preto
um violino branco
um vestido transparente
uma agualera de sossego
um céu pleno
uma lua branca
uma nuvem cinzenta
uma estrela amarela
um mar azul
um beijo vermelho
a palavra amo-te num envelope fechado
e um amor invisível


não é pedir muito. é um quase nada de tudo.

20.12.07

e amor tem?


tem só

tem dó

tem vida

tem espírito

tem alma

tem paz

tem folha

tem verde

tem flor

tem fruto

tem céu

tem nuvem

e tem eu


e amor

tem?

11.12.07

hora certa

apetecia_me um dia pleno.
uma noite sem fim.
uma hora certa.

e aí eu escrevia.
e nas linhas com remetente palavras sem sentido.
mas larguei-me na hora porque a noite é certa e não sei se volto assim. e perdi_me.
a hora devo_a. a quem me quiser acompanhar. mas escapa_me a presença.

que confusão vai nesta tinta!

a quem escrevo? a mim.
o que escrevo? sentido.
porque escrevo? preciso de.

apetecia_me uma hora certa. sem ponteiros.
um dia pleno.
e uma noite vestida de ti.

um dia branco



































nuno júdice

8.12.07

episódio musical







ao ouvir as suites inglesas de bach
a humidade dos campos envolve-me
com uma névoa de rios
e uma auréola de margens


esta música puxa-me pelas suas mãos de som
para o ritmo que o poema devia encontrar
no limite dos teus cabelos


assim vens até mim
pelos degraus deste ritmo que bach inventou
para descrever não se sabe que dança
movimento com o vento
baloiço vago que se evola
de uma entrega evanescente
num canto de arbusto

até ao silêncio branco com que o amor se fecha

nuno júdice



6.12.07

sem fim


quase que parece um adeus
e de o não ser
será talvez um aceno
de como quem se salva

de se aproximar do fim
sem fim


30.11.07

como o fumo.

agora
que lembro
as horas ao longo do tempo

desejo
voltar
voltar a ti
desejo-te encontrar

esquecida
em cada dia que passa
nunca mais revi a graça
dos teus olhos
que eu amei

má sorte
foi amor
que não retive
e se calhar distrai-me...
- qualquer coisa que encontrei.



alfama de pedro ayres magalhães
fort-archambault. depois sarah. desconheço. e no entanto nasci lá. em áfrica. aquele continente que inconscientemente guardo comigo sem nunca ter saboreado as cores quentes da terra. mas a terra chama. chama-se chade.
transportava-a como postais ilustrados. todos os meses recebia novas de lá. a mãe era a culpada. enviava-me uma colecção enorme de imagens. as que mostrava às minhas amigas que ficavam muito estranhas por tal sítio ser de verdade. pegava nos envelopes de avião e antes de os abrir ficava sobressaltada. ninguém tem mãe naquelas terras. mesmo no fim do mundo. nenhuma delas acreditava. mas mesmo assim só elas e as freiras do colégio me reconfortavam. era motivo para mais uma vez me convidarem a ler as escrituras na missa do próximo domingo. diziam que eu lia muito bem. ao contrário de outras amigas minhas que se atrapalhavam pela força do nervosismo de estar à frente de uma plateia vestida a preto e branco. a mim as cores neutras nunca me intimidaram. pelo contrário. senti-me sempre segura com elas. e assim lá ia eu ler tudo seguido de uma acentada. contínuamente e fazendo algumas pausas entoava as escrituras dos discípulos como se de um conto de fadas se tratasse. e lançava de vez em quando um olhar mais convincente para os lados da madre superiora que disfarçadamente se dignava a concordar comigo quando descrevia as aventuras do seu amado e querido senhor. depois no final presenteavam-me com palavras de agradecimento por ter ido muito bem.e tudo aquilo me admirava. porque após o almoço de domingo passava o resto da tarde sózinha errando pelos corredores do colégio do sagrado coração de maria. em portalegre. alentejo. alto.


até que dava por mim na antiga sala de convívio no segundo andar de volta de um piano. desafinado claro. mas era nessa hora que as tardes de domingo soavam mais alto. desertava-me por entre as teclas como se fosse um longo corredor . no final uma imensa escadaria a preto e branco que me conduzia a um suposto céu. novamente os neutros. sentia-me à vontade. e inventava-me vestindo a pele de uma grande pianista .era uma das melhores. dentro do género claro. não precisava de grandes claves. eram notas soltas. era um musical que me transportava até às portas do paraíso. em paz. com onze anos apenas já sabia tocar piano. gostava de sentir o frio das teclas nos dedos. de vez em quando deixava correr a palma da mão pelo teclado todo. e de repente tinha uma freira à porta a mandar-me calar. mas por fugaz que fosse o meu momento de glória essa espécie de música nas tardes de domingo acompanhava-me.


depois cortaram-me as vasas. de d'jamena para paris soube que o meu pai tinha morrido. nada me dizia. nada sentia. tenho a lembrança dele durante o período de algumas férias. muito poucas. era uma pessoa alegre divertida. enchia uma casa. não a minha. se é que eu posso dizer que a tinha. estive presente no funeral. afinal era o do meu pai. mas a recordação que tenho desse incidente é a imagem da minha mãe. toda vestida de preto. o rosto tapado por um véu. também preto claro. como viúva que se preze e não dar azo às más línguas. uma mulher muito bonita. e cheirava insuportávelmente bem. mesmo de véu conseguia adivinhar-lhe todo o sofrimento que lhe ia na alma. afinal tinha acabado de perder quem mais amava. e a mim restava-me resguardar nos mimos da avó raquel que me ajeitava os cabelos compridos sempre embaraçados e nas palavras doces do avô júlio que fazia questão de salientar que a gaiata só se ria do mal.


de olívia. o seu nome. ficava a olhá-la como quem a quer adivinhar. cheguei até a espreitá-la na esperança de encontrar algum jesto familiar alguma palavra conhecida algum cheiro que a identificasse. mas nada. nada de nada. e a situação agravava-se ainda mais quando ela no meio da narrativa das suas inúmeras histórias falava francês. sim porque a minha mãe sabia falar francês. o que na altura aquilo no alentejo era caso para se comentar. tinha classe. sim. sabia apenas que se tratava da minha mãe de verdade. após treze anos voltou para me recolher das terras do alto alentejo e trazer-me para a capital.tudo aquilo cortou tudo em mim. deixei as minhas amigas o meu colégio a minha missa o meu piano. golpe duro. sujo. muito baixo. isso não se faz. tinham-me cortado as asas. as que eu já começava a abrir para sobrevoar planícies e outeiros azinhagas e carreiros. voos planados com promessas de algum futuro promissor. no mínimo o de famosa pianista claro.

mudar de vida. mudar de mim. sempre que ouço carlos paredes nesta versão lembro-me desses tempos. e ainda nem os madredeus existiam. acho que instintivamente relacionei a voz de teresa salgueiro à dela. é assim. igual.


nunca falo no tchad. e no entanto nasci lá. quando tenho de o fazer rio-me por me lembrar das expressões que as pessoas fazem quando digo onde nasci. "nasceste onde? isso onde fica?" isso é áfrica. não se nota pela minha carapinha? apesar de continuar com os cabelos compridos. não tanto de quando tinha treze anos claro.


fez ontem setenta e seis anos. vinte dos quais passados em áfrica. áfrica minha. um dos filmes eleitos dela. e meu também. continua a contar-me as suas histórias. e revejo-me sempre a seu lado. lá. sem nunca ter voltado. imagino-a debaixo da grande mangueira do seu quintal de que tanto falava. sentada sem sopro de brisa no final da tarde. porque o dia foi tórrido. de sol e trabalho. e enquanto fuma um cigarro vem-lhe à lembrança toda uma vida alterada. as viagens não programadas. os filhos adiados. o amamentar falhado. a infância desmarcada.


e no jesto doce de quem puxa da cigarreira para tirar um cigarro acendê-lo e levá_lo à boca até ao fumo se espalhar pelo ar há aquele efémero mas eterno momento do estar. contigo lá. ao lado. teu. sempre.


áfrica dela. mãe. a minha.
desalinhadas. desencontradas.
como o fumo. partilhado.

ainda.

25.11.07

de tão só


eu

canso
tanto
de tão só

A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.
Vinicius de Moraes

19.11.07

arte é


arte é


a arte é provocação
é casual
ou não
é eterna
é efémera
é espontânea
é fabricada
é mentira
é verdade
é de belo
é de feio
é fingimento
é verdade
é sentimento
é ressentimento
é mutável
é contínua
é descontínua
é opaca
é transparente
é tudo
é nada
do que entendermos que é

só depende do que sentimos
pode-se gostar ou detestar
amar ou odiar
provocar paixão ou ódio
ou não provocar

quando não se sente
não se vê
não se olha
nos é indiferente
e nada nos provoca
não é


para mim arte pode ser
e não o ser para ti.



18.11.07

preciso adormecer


se estivesses aqui tudo seria bem mais razoável.
aceitável.
e suportável.

tem horas que me apetecia estar aí.
nessa quietude em que o sossego inquieta tanto que se torna coisa estranha.
até insuportável de se manter.

se estivesses aqui agora as horas iriam prolongar-se em dias de desinquietação.
não tivemos tempo.
foi-nos efémero.
roubaram-nos as tardes longas de conversa amena de coisas sem jeito banais e sem sentido.
que falta me fazem.
como de ti.
sem ti.

continuo a escrever o teu nome
sem nome.
e a chamar-te.
mas não tenho um nome.
a quem chamar.

e continuo assim todos os dias quando acordo me levanto e abraço a manhã de alma aberta.
os mesmos bons dias de sempre.
o mesmo café.
o mesmo cigarro.
sem partilha.
sem dia.
sem ti.
se estivesses aqui seria assim?
preciso adormecer.
acredita.



14.11.07

era inevitável. mas sustentável.


foto de helena almeida
transporto-me ao sabor das horas dos minutos dos segundos que se avizinham e que cada vez passam mais urgentes.
deixo-me levar na espuma da corrente como se dela fizesse parte faz muito tempo. não sei se fico. se me deixo levar. se é inevitável ir. se devo permanecer. ou na insustentável inércia deva deixar desinquietar-me pelas marés que me convidam.
a cada dia que passa o meu caderno escasseia. as folhas teimam em passar. urgentemente. plena dos sentires que lanço nelas. mas falta-me linha. ausentam-se os traços. o abecedário concreto que quero revelar teima em não se manifestar.
das letras construo imagens. e crio odores invísiveis. tinto-me das letras. mas falta-me a cor. a cor de amor. se tivesse de dar uma cor ao amor pintava-o de azul. não há fórmula em cábula possivel. peguei nela e fechei-a numa gaveta qualquer. deitei fora a chave. contramaré remei e fui ao fundo. bem fundo. ao fundo do mar. onde o silêncio se aproxima mais da quietude do céu. respirei bem fundo. faltou-me o ar.
queria ter levado comigo algumas notas soltas. liszt seria o ideal. roubei-lhe algumas teclas. guardei-as bem guardadas numa outra gaveta qualquer. esta sem chave. perdi-me por lá. e o piano mudo. e o silêncio surdo. por cá.
um dia vivi em azul. anotei-o num papel. e soltei-me em tintas. construí aí uma paleta única. plena. não foi um azul qualquer. foi o azul de mim. nasceu assim. ao sabor das horas dos minutos dos segundos sem urgência. foi então que decidi não usar mais qualquer gaveta. soltei-o ao sabor da terra. atirei-o à corrente do vento. e lancei-o à água.
desinquietei-me. era inevitável.
mas sustentável.

10.11.07

e eu encontro-me a nu

e porque de repente se fez mágoa em mim?
sem razão aparente olho-me nos olhos e entristeço-me por nada. deveria ser o contrário hoje. estar bem porque hoje não é um dia comum. não um qualquer. não é igual aos outros da semana. não porque é fim de semana. nem porque é sábado. nem por ser dia dez. de novembro. deste ano. porque o dia é meu. de mim. vou ter de me expor. e isso complica comigo. expor-me em frente a amigos. a desconhecidos. e conhecidos. e abrir a alma assim a nu.
que vão ver-me? que irão ler-me? será que vão conseguir ir ao mais fundo do que eu escondo? e se perguntam? que respondo? mantenho-me calada? faço um aceno de não sei com a cabeça? ou digo " não imagino do que estão a falar". que faço?
e de repente toda esta insegurança e mal estar que odeio.
acho que não tenho de responder nada. limito-me a deambular por lá como quem diz "estou aqui. que mais querem saber de mim? está tudo lá. só precisam de olhar".
são catorze as telas. e passo a citar. la couleur. jaune. gosto de tisse. j'aime ma. de ti e de ma. azul verde e amarelo. amarelo verde e azul. désir. azulão. azul. amarelo. cês. noir et jaune. rouge blue et jaune.
são dípticos. um tríptico. e as isoladas. nos dípticos é que eu me construo. sempre o eterno par. dá que pensar. construções a dois. idealismos a desviar para um quase anarquismo de espírito. só assim consigo dar o salto para conseguir encontrar esse tal de bendito equílibrio abençoado. basta conjugar a linha servindo de moldura à forma preenchida de cor. plena. e o contraste é transformado. em paz.

neste desassossego em que estou agora poderá ser que alguém me consiga olhar. porque pela moldura não chegam lá.

e eu encontro-me a nu.

8.11.07

de ma de ti de se


de ti e de ma
nome sugestivo de apelido duvidoso.


de ti. de todos. dele.
de ma. meu.
de mim.
de sentir.


de vermelho de sangue
de paixão
de ciúme


de amarelo luz
de riso
de vício
de siso


de azul de mar
de matisse
de marc
chagall


de branco limpo
de amar
de respirar


de preto negro
de mágoa
de dor
de choro
de luto


de ti. nada.
de ti quase a mar
tudo!

6.11.07

e assim ando...e desando

há um sentido subjacente em tudo o que escrevo. aquele que não é escrito. que não se lê. que fica sempre comigo porque fica por dizer. é por isso que escrevo. algures alguém conseguirá ler-me. é esse pequeno grande prazer que me traz aqui.

saber que sem conhecer alguém nalgum qualquer lugar me leu. e quando me refiro a ler é sentir-me. o que transporto no peito com todo o sentimento e me faz estar de pé. que quando caio me levanto sempre. e que quando me levanto é certo que caminho recolhendo todas as forças que me são úteis para uma próxima recaída.

sou feita de altos e baixos. ou muito alto ou muito baixo. nunca encontrei um meio estar. e permaneço nessa procura. o equilíbrio de que falo está comigo. sempre o transportei. mas por vezes não consigo encontrar o fio da meada. embaraço-me. completamente.

o desembaraçar é que se transforma numa tarefa complicada. e quando termino de me desenlaçar dou por mim com outro fio já preso na alma. bastava-me talvez cortar. mas a teimosia de permanecer equilibrada leva-me novamente a novelar.

e assim ando...e desando.
até um dia. me cansar.

31.10.07

de tela em tela encontro_me







é fácil amar a minha pintura
ter uma tela à frente e de vez em quando deixar passar um olhar
na procura de um amor
de um beijo
de um lugar...
está tudo lá
só depende do que preciso encontrar
e encontro sempre um lugar para amar
ou para chorar...
de tela em tela encontro_me.

26.10.07

d'alma





























fotos bill kane
tem alma negra de tanto chorar
entrelaço-a alinhada e desalinhada
e com cores a enleio desmedida e destemida
nua
crua
ocre
descanso-a em vermelho de ira
sem pecado
qual estátua vestida de cinza
e em desalento alimento-a
de palavras

24.10.07

sem pecado



se eu adormecer também

marco encontro contigo aí em cima...algures num azul de céu.

21.10.07

as linhas


fotos de francesca woodman
as linhas
as linhas são para

de__desenhar
de___desejar

sonhar
esvoaçar

sublinhar
contornar

adormecer
e querer__te
re__viver.

15.10.07

uma questão abstracta

























estive a ler escritos antigos. os meus. o que me levou a pensar: porquê escrever tanto sobre o amor? nestes últimos meses intercalo-me com outras letras. mas não sei porquê tenho-me debruçado mais sobre este assunto. acho que tem a ver com as minhas opções de vida. as novas claro. os meus mais recentes projectos. será?...

nas suas mais variadas formas de expressão o amor conduz-me a tudo. sempre. no que faço. no que digo. no que penso. talvez por não o conseguir concentrar num só nem o agarrar num todo disperso-o.

logo que acordo não dispenso o café. sou dependente de cafeína. aqueço a água e coloco na chávena duas colheres de café e duas de açúcar. este ritual dos pares faz-me pensar...

após o tomar segue-se o primeiro cigarro do dia. é de manhã que as primeiras fumaças me transportam para outras formas de estar. assim ganho coragem para " o primeiro dia do resto da minha vida". fico a olhar o fumo de janela aberta. aquele movimento ondular acinzentado transparente conduz-me a algures num tempo sempre desacompanhada. que sorte por estar assim quieta no meu mais íntimo permanecer. estática. colada ao chão da casa que vou deixar.

abriu-se outra porta. outra etapa de mim. sem olhar atrás porque hoje tenho um projecto de vida. um dia uma amiga aqui em casa perguntou-me se eu tinha projectos de vida. ao qual eu respondi calada. aquilo fez-me pensar. não tinha projecto nenhum. desorientada conseguia encaminhar-me de pé no que na altura fez de mim um labirinto ainda maior do que aquele que sempre tinha tido até essa data.

hoje tenho não um mas vários projectos. de vida claro. e é nessa diversidade que me encontro mais madura mais segura mais senhora de mim. sei o que quero. como quero. quando quero. e com quem quero.

faz talvez dez ou onze anos que me separei. não sei a data ao certo nem quero saber. não me é importante. mantenho como ponto de referência os anos do pedro. fechou-se aí uma fase de mim. cor de rosa no ínicio. no fim bem magenta. lembro-me de uma coisa que a minha avó me disse enquanto na fase de enamoramento. " filha no amor há várias fases. a primeira no namoro é a fase das palavrinhas. a segunda no casamento a fase das palavras. a terceira no divórcio a fase dos palavrões. mas a pior de todas é a última. a fase do palavreado." ainda hoje em dia repito isto com uma boa gargalhada no fim tal como na altura em que a ouvi pela primeira vez.

mas confesso uma coisa. só aos meus piores inimigos desejo a fase do palavreado. é um jogo de malvadez quase demoníaco que nos vai destruindo aos poucos a capacidade de lucidez e de sossego.considero-me por natureza uma pessoa sossegada apesar de alguns desvarios de vez em quando. que falta me fazem! lúcida também. apesar das constantes loucuras que por vezes atravesso. e sabem-me a pouco. mas quando alguém nos finalmentes de uma separação seja ela qual for deita tudo a perder porque já nada tem a ganhar fica como que possuída por falta dessas duas capacidades. e novamente o par. uma dupla de respeito esta. dá que pensar...é aí que tenho de me valer de todos os exorcismos possíveis e imaginários para me livrar dos demónios que me querem alvoraçar. foi o que fiz. bati a porta e nem olhei segunda vez para trás.

eu gosto da loucura. como dizia régio "eu tenho a minha loucura!" os loucos sempre me seduziram. talvez pela criatividade com que conseguem dar a volta às horas comuns do dia
transformando-as em momentos memoráveis.

tenho de comprar um casacão de inverno com quadrados grandes a preto e branco. como aquele do "voando sobre um ninho de cucos". ou então treinar mais o permanecer em silêncio como o índio faz. ou refugiar-me numa casa fazendo-me passar por maluca porque os doidos andam todos lá fora à solta. assim consigo evitar o aprisionamento de alguns momentos que me condicionam no meu bem estar diário tornando-os também memoráveis.

como o de hoje com os meus alunos. tentar falar sobre o conceito de abstraccionismo perante uma plateia que está mais interessada em criticar o padrão das minhas calças com pseudo bolas acinzentadas num fundo neutro de preto quase tapadas na totalidade por uma túnica branca. que fazer para fugir desta condição de alvo de olhares e atenções e tentar conseguir que a mensagem de abstracto chegue limpa e audível à fonte a que é destinada? senti que ali o abstracto era eu...e mandei arrumar.

o amor também é uma coisa abstracta. não se vê. não se toca. não se cheira. não se prova. sente-se apenas.

para mim pode ser uma palavra. dita. escrita. pensada. sentida. um olhar. o respirar. ou apenas o gosto de uma boca. para outros tudo isto limitar-se-á ao abstracto.

acho que os meus alunos têm razão. aqui o abstraccionismo parte de mim. basta começar a pensar nas minhas calças. e isto dá que pensar.

agora façam as interpretações que desejarem...e parem de pensar.

12.10.07

janeiro 1930 diário do último ano






















Para mim? Para ti? Para ninguém. Quero atirar para aqui, negligentemente, sem pretensões de estilo, sem análises filosóficas, o que os ouvidos dos outros não recolhem: reflexões, impressões, ideias, maneiras de ver, de sentir – todo o meu espírito paradoxal, talvez frívolo, talvez profundo.

Foram-se, há muito, os vinte anos, a época das análises, das complicadas dissecações interiores. Compreendi por fim que nada compreendi, que mesmo nada poderia ter compreendido de mim. Restam-me os outros.. talvez por eles possa chegar às infinitas possibilidades do meu ser misterioso, intangível, secreto.

Nas horas que se desagregam, que desfio entre os meus dedos parados, sou a que sabe sempre que horas são, que dia é, o que faz hoje, amanhã, depois. Não sinto deslizar o tempo através de mim, sou eu que deslizo através dele e sinto-me passar com a consciência nítida dos minutos que passam e dos que se vão seguir.Como compreender a amargura desta amargura?

«Attendre sans espérer» poderia ser a minha divisa, a divisa do meu tédio que ainda se dá ao prazer de fazer frases.

Não tenho nenhum instinto especial ao escrever estas linhas, não viso nenhum objectivo, não tenho em vista nenhum fimQuando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo – uma alma – se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que eu fui ou o que julguei ser.E realize o que eu não pude: conhecer-me.



florbela espanca

7.10.07

a palavra amo-te sem ser na primeira pessoa



























há inúmeras maneiras de dizer amo-te. mas a magia reside em não o dizer.

só muito tarde essa palavra foi introduzida no meu vocabulário. e isso porque não conseguia verbalizá-la. sentia-me estranha quando a dizia em voz alta. pensava-a sim. algumas vezes. escrevia-a com mais frequência. mas dizê-la a alguém olhos nos olhos era-me humanamente impossível.


se a memória não me falha a primeira vez que a disse saiu-me vagarosamente como se estivesse a afirmar qualquer coisa de muito grave. senti-me uma estranha. não saiu naturalmente. entendem? era estranho ser eu a dizê-la. porque vinda de outros era normal e até soava bem. apesar de a ter ouvido algumas vezes não muitas. as suficientes para me conseguir familiarizar com ela. não era capaz de dizer amo-te. engolia em seco e permanecia calada.


nestas questões de amor como em muitas outras preciso de tempo. muito tempo. acho que acabam por se cansar de mim. pelo tempo de espera.

quando digo amo-te e muitas raras vezes o faço pareço-me outra que não eu.

a palavra amo-te perdeu todo o sentido hoje no meu dia. porque está gasta. é usada por tudo e por nada. em sua substituição tenho sempre o adoro-te. mas desencontro-me aí da idéia original que uma paixão me poderá conduzir a verbalizar o imenso amor.

guardo o amo-te religiosamente para algum momento único que me esteja destinado. mas como nunca acreditei no destino fico descansada porque não terei de a dizer.

agarro-me perdidamente ao gosto de ti. é mais suave. fácil de pronunciar e sempre soa bem.

o adoro-te é meigo. soa-me a eterno. é divino. porque adoração implica um deus. e eu sei que os deuses não existem. pelo menos terrenos. nunca me cruzei com nenhum. daí também continuar sossegada porque não precisarei de a dizer.


mas preciso urgentemente de amar. alguém. novamente.
às vezes penso porque é que o amor não acontece comigo. todos os que conheço têm alguém. eu não. não percebo. e penso assim "não me merecem". e fico mais conformada.

tem horas que me sinto um pouco perdida pelo vazio que me preenche. são fugazes esses momentos mas o que é certo é que os tenho. com toda a força que o meu coração me fala. e calo-me perante ele. o tempo é rápido. e intemporal é a minha forma de amar. apaixono-me e desapaixono-me com facilidade.

isso acontece porque sempre fugi. com medo de um dia me voltar a acontecer um grande amor. no entanto aguardo-o. e enquanto espero sem busca possível nem mapa nem bússola perco-me em devaneios nas minhas palavras.


guardo religiosamente o amo-te. como se de um ritual se tratasse. comigo mesma. talvez num tempo ainda sem hora marcada eu diga. tarda em acontecer.
escurece-me o coração por não ser já o tempo. ando atrasada para o amor. e ele escorrega-me pelos dedos das mãos como quem foge de mim. e eu dele. apesar de o querer tanto.