26.9.08

a devolver ao remetente





devolve_me o que não te cheguei a dar e remete_me ao esquecimento
sem registo de chegada nem aviso de recepção
















minha senhora deve ter
uma coisa muito urgente e capital
a dizer-me
porque me tem escrito muito
e muitas vezes
porém lamento dizer-lho
mas não percebo
a sua letra
já mostrei as suas cartas
a todas as minhas amigas
e à minha mãe
e elas também não percebem bem
não me poderia dizer
o que tem a dizer-me
em maiúsculas?
ou pedir a alguém
com uma letra mais regular
que a sua
que me escreva
por si?
como vê tenho a maior boa vontade
em lhe ser útil
mas a sua letra minha senhora
não a ajuda



adília lopes
o marquês de chamilly a mariana alcoforado























nunca falei contigo sobre o que não aconteceu. apesar de o fazer de vez em quando nunca tocaste no assunto e eu como que em acto de cobardia nunca perguntei. tenho pensado nisso. ás vezes quando penso em ti. porque ainda o faço de vez em quando. ficarei então talvez quase de certeza sempre na dúvida. porque não vieste ter comigo? não é dúvida. é uma certeza duvidosa que não tenho o direito de reclamar minha.


e sabes como me senti? maltratada.


mal amada eu. trata_se assim tão mal e pior ainda quando nada se fala. quando embarquei em palavras e me apaixonei por outros mundos. aventurei_me a tentar experimentar deixar_me levar porque queria ir onde ainda nunca ninguém me tinha levado. há um mundo de estrelas que não sei apagar. um caminho de nuvens por pisar. mares por nadar. lagos por afogar. mas disseste_me " a lua que espere nesses lugares".


então o que aconteceu em mim foi um tremendo de um enorme cansaço. o mesmo que hoje me prende à espreita sempre na mesma viagem. esta que conheço de cor nas rectas do caminho nas curvas da estrada e na lua que me há_de guiar.
devolve_me o que não te cheguei a dar e remete_me ao esquecimento. sem registo de chegada nem aviso de recepção. a devolver ao remetente.








com este texto terminei hoje o meu segundo caderno de escrita A5 de capa preta.
valerá a pena começar outro?









fotos de geoffroy demarquet

25.9.08

se me interessa a tua alma que não sei ler

inter esse












se me interessa a tua alma que não sei ler



















Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas


adília lopes in
"Desfogados pelo vento, A poesia dos anos 80, Agora",
Antologia de Valter Hugo Mãe, Ed. Quasi























o que me interessa sei eu. e sei que tu não o sabes. se to dissesse passavas a saber. mas não me interessa que saibas.
nada


e sabes que mais? quando te calas é quando sei demais. no calar fala_se. e é aí que dizes demasiado. agora só espero que me saibas.
falar









fotos de belényesi

20.9.08

é. o amor fecha_se_me assim de cada vez que o quero tocar

é.













é. o amor fecha_se_me de cada vez que o quero tocar.


























ao ouvir as suites inglesas de bach
a humidade dos campos envolve-me
com uma névoa de rios
e uma auréola de margens
esta música puxa-me pelas suas mãos de som
para o ritmo que o poema devia encontrar
no limite dos teus cabelos
e tu contra o portão nesse contraluz que te incendeia
o vermelho da túnica sobre o branco dos muros
roubas ao cravo o seu sorriso profano
plantando nas suas teclas
um desejo que o jardim do teu corpo fará florescer
assim vens até mim
pelos degraus deste ritmo que bach inventou
para descrever não se sabe que dança
movimento de saias com o vento
baloiço vago que se evola
de uma entrega evanescente
num canto de arbusto
até ao silêncio branco com que o amor se fecha






episódio musical
de nuno júdice
























fecha_se_me a boca de dizeres quando te quero falar que de facto não sei como amar. tenho como que um jeito especial de gostar. não diria anormal. mas normal também o não é de facto. é o meu. diferente. tenho uma maneira especial de amar. a minha. só. essa música a que eu chamo de amor só eu a sei tocar. e não há pauta. não há clave. não há nota. só toque. o meu toque diferente de a tocar.


e tenho culpa de ser assim que eu gosto de a tocar? se é assim que eu sei te amar? tenho culpa de não saber falar o que não se fala? tenho culpa de querer continuar a manter_te quente nos meus dedos ainda por lavar? culpada. pecada. sacrilégio este assim de te amar. e que não se afastem os demónios não me abandonem as almas não me exorcizem as penas porque eu quero mesmo e só é voar. contigo ao fundo dos infernos. contigo cem almas a penar. contigo de vez desafiar inquisidores más línguas mentes perversas inimigos e próximos a quem de olhos fechados dizem tudo ver e não ser possível enganar.


não peco. confesso_me a mim que te quero não a perder em juras eternas de amor mas sim pecando no estar. tocar_te no mais intimo que tu possas não guardar.nem calcular que o tens guardado. não esconder os segredos.não continuar nos dizeres. não dizê_los bem baixo por entre o branco dos lençóis que se afastam. ter o direito de se segredar.ter um segredo teu meu bem meu mal. se o meu segredo és tu.meu amor minha alma.


tens se calhar razão quando dizes que não sei gostar. nunca soube como se amava. achava apenas saber como se gostava. um dia foi o que esperei para to saber dizer. ou como se faz. mas como se não se consegue fazer e muito menos se consegue dizer? não se diz nem se faz. vivem_se apenas as horas que se dão guardando_as até outro dia próximo ou não. outro dia outro abraço. mas como se vive assim? sem se estar?


por isso não queria gostar. mais. ficar à espera esperando mais um nada na manhã seguinte ao acordar. esperando qualquer coisa no entretanto até o dia fechar. esperando outra vez nada sempre que me deito à noite com vontade de te amar. não. não sei gostar. não quero gostar. não sei como te amar.











é. o amor fecha_se_me de cada vez que o quero tocar.








fotos martin dimitrov

11.9.08

setembro negro este o meu




e porque deveria eu de querer_te hoje se só um dia te tive?























é claro que a vida é boa
é a alegria, a única indizível emoção
é claro que te acho linda
em ti bendigo o amor das coisas simples
é claro que te amo
e tenho tudo para ser feliz
mas acontece que eu sou triste...









dialéctica

de vinícius de moraes























































sou triste assim sem te ter hoje que é o teu dia. dia inteiro pleno que te viu nascer. sou triste porque gosto de ser triste. e o dia hoje fez_se para ti. e eu não faço parte dele. e porque deveria eu de querer_te hoje se só um dia te tive? assim acontece que não sou triste de ti mas sim de mim. sem te ter.



















setembro negro este o meu

8.9.08

o que eu fiz com o teu foi escondê_lo de mim

querer_te












o que eu fiz com o teu foi escondê_lo de mim








































o l. tem no íntimo embora o não confesse um grande orgulho por não ser capaz de amar doidamente uma mulher como é que sendo ele tão inteligente não compreende esta verdade tão simples:que aquele que não tem nada para dar é que é pobre?assim nas suas aventuras sentimentais dá em troca de pedras preciosas dinheiro falso e quando chegar a morte terá ignorado dois dos maiores prazeres da vida:o prazer de possuir pedras preciosas e o prazer de as dar




treze de março de mil novecentos e trinta
excerto do diário do último ano de florbela espanca






















não sou capaz de odiar ninguém. alguns foram sim os que me disseram não também e nunca os consegui odiar por isso. apenas senti um desconforto cá dentro onde nunca chegaste e poucos entram por fim. nem quiseste ao menos saber como se conseguia chegar. muito menos entrar. e isso foi sem dúvida a minha mágoa maior.

mas hoje a noite é calma e eu sinto_me serena. há como que um estado de espírito em paz que mora comigo. estranho_me por isso. outrora não era assim. conquistei_me sim desde que comecei a escrever. um ano e piques. deixei um pouco essa inquietação e desassossego que tanto me caracteriza. as palavras confortam_me e é neste reconfortante sentir que não me sinto mais sózinha. não. não tenho ninguém. tenho só alguém. tenho_me a mim.
as noites alongam_se a partir deste setembro fresco. mês meu em calendário de vida que se cumpre ano após ano. não perdida. desperdiçada talvez. mas é assim que sei viver. sem ninguém de lado continuado e de vez em quando muito raramente tendo alguém. não fui feita para par. partilhar talvez. e não me importa de nem sempre acontecer. faço_o quando tenho de o fazer. não forçosamente. nunca. não seria de mim.

e devo_te dizer que já me aconteceu algumas vezes. sem querer aconteceu. não procuro. se tiver de ser é. se não. não. pouco me importa se queres saber. atravessam_se_me pessoas de quem muito gosto. outras menos. algumas ainda assim assim. a última sim. tu nem por isso. então o querer não foi tão tamanho como poderia vir a ser. somam_se assim os quereres sem eu querer. e no teu caso de te querer sem saber. quero lá saber.


querer_te?
o que eu fiz com o teu foi escondê_lo. de mim.





para ninguém
para todos
para mim




fotos antonio gabriele toppi








6.9.08

as coisas pessoais nunca se dizem escrevem_se ou amam_se

e por serem da pessoa nunca de devem dizer










as coisas pessoais nunca se dizem. escrevem_se ou amam_se


























"agora que não estás deixa que rompa o meu peito em soluços!
te enrustiste em minha vida e cada hora que passa
é mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo em mim...
e sabes de uma coisa?
cada vez que o sofrimento vem
essa saudade de estar perto se longe
ou estar mais perto se perto
que é que eu sei!
essa agonia de viver fraco o peito extravasado
essa incapacidade de me sentir mais eu orfeu
tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem
nada disso tem importância quando tu chegas
com esse contentamento essa harmonia esse corpo!
e me dizes essas coisas que me dão essa força
essa coragem
esse orgulho de rei
meu verso meu silêncio minha música!
nunca fujas de mim
sem ti sou nada
sou coisa sem razão
orfeu menos eurídice...
coisa incompreensível!
a existência sem ti é como olhar um relógio
só com os ponteiros dos minutos
tu és a hora és o que dá sentido e direcção ao tempo
qual mãe qual pai qual nada!
a beleza da vida és tu amada
vai ao teu caminho que eu vou-te seguindo
no pensamento e aqui me deixo rente
quando voltares pela lua cheia
para os braços sem fim do teu amigo
vai à tua vida pássaro contente
vai à tua vida que estarei contigo!"







vinícius de moraes



































preciso aprender a lidar com a morte.
com quem parte e me deixa assim triste. e mais só ainda.
impressionante como ainda não consegui deitar uma lágrima só que fosse. antigamente lançava-me em choro. hoje já aprendi a lidar com a dor.
mas eu sei que vou quebrar. tenho de quebrar. preciso de quebrar.
a sensação de perda é vazia. oca. e enche-me de luto.
faz-me lembrar um poço sem fundo. e eu procuro bem lá no fundo o que não quero perder. mas como encontrar uma perda sem fundo?
não admito perdê-lo. recuso-me a perdê-lo.




na sexta à noite recebi o telefonema. "tens de ir ver o pedro. já não fala. se queres vê-lo com vida tens sábado e domingo. o tempo encurta para ele."
mas eu não quero ver o pedro assim. quero ver o pedro como quando o conheci. tinha eu catorze anos e ele dezassete. o pedro era tão bonito que me sufocava. vi-o pela primeira vez no alentejo. na aldeia onde nos cruzávamos em tempo de férias. costumávamos dar longos passeios à noite pela estrada. naquelas noites quentes de agosto que parecem constar no calendário porque tem de se cumprir o amor. sentávamo-nos nuns bancos de pedra à beira da estrada e ficávamos a conversar. ainda guardo comigo o cheiro do perfume que ele usava. o arrepio que me dava sempre que a mão dele envolvia a minha cintura. e o sabor que tinha a boca do pedro. nunca mais encontrei um sabor de boca assim. nem nunca mais provei a do pedro.




na estrada houve uma vez um abraço que só me vai largar quando eu morrer também. o tempo parou com ele. não havia mais nada além de nós os dois. e era eterno. fizemos juras de amor para sempre. e eu cumpri. costumo ser fiel ao que prometo. transportei-o comigo durante estes anos todos. porque todos estes anos nunca deixei de o amar. por isso não me quis despedir. jurei a mim mesma nunca lhe dizer adeus.
e continuo a cumprir.





















nunca mas nunca te vou dizer adeus mas sempre um até já










há coisas pessoais mas tão pessoais que por serem especiais não se dizem nunca se escrevem e jamais se ouvem. amam_se.
















ao pedro paixão




escrito a vinte e cinco de setembro de dois mil e sete

3.9.08

um caso de amor...












hoje já não faço anos duro somam_se_me dias
















No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui ai, meu Deus! o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...











aniversário de álvaro de campos








































este verão tive um caso de amor...
dizem que os amores de verão duram pouco, são efémeros, nascem rápidamente e pouco depois morrem e ficam enterrados na areia, fugazmente envoltos em mar de tão salgados que são.
o meu não foi assim. pelo contrário, irá ficar comigo até ao dia em que eu morrer. o meu caso foi doce...adocicado diria. como uma marguerita que bebi com sal à volta do rebordo do copo e de gelo picado que se derretia a cada beijo meu.



fez talvez dez anos que ele saiu de casa. desde aí tenho andado sempre sózinha incluíndo alguns verões claro. saímos juntos para um lugar onde o mar beija o céu onde as cegonhas cantam ao final da tarde e acasalam indiferentes aos olhares indiscretos dos turistas onde os melros roubam os sonhos pela madrugada onde o sol nos beija a pele pelo entardecer onde o sal da água nos acaricia sempre que lhe tocamos onde as andorinhas do mar dançam ao sabor do crepúsculo alheias ás minhas constantes e persistentes perseguições de olhares.
é o único lugar onde me enrolaria na areia...
aqui na comporta.



não digo que seja bonito, sedutor daquele tipo de homem que faz com que uma mulher pare na rua ou volte a cabeça para olhar novamente.para mim é bonito. alto, talvez um metro e oitenta, magro, sem o ser exageradamente não muito atraente de corpo porque tem um andar desajeitado, moreno, um corte de cabelo que não é corte, não muito curto nem muito comprido, ondulado como que a lembrar as ondas largas do mar, negro de um preto que abre um pouco com o sol, sobrancelhas fartas sem o serem em excesso, olhos castanhos de um castanho claro adocicado nariz pequeno sem ser arrebitado, boca doce com um sorriso malandro, dentes bonitos muito brancos um pouco desalinhados o que lhe dá uma certa graça, pescoço altivo e mãos de piano! as mãos são lindas. já lhe disse uma vez: "tu tens mãos de pianista! dedos alongados finos bonitos de tanta elegância.gosto tanto das tuas mãos!"


faz talvez dez anos que ele saiu de casa. tenho ainda o sabor amargo desse dia de quando me voltou as costas sem se despedir sem dizer adeus até amanhã quanto mais um beijo de até breve.


fiz questão de o levar a conhecer o museu do arroz. para quem não conhece o museu é um restaurante muito in onde quem nunca entrou não imagina o espaço sublime que é. este lugar tem qualquer coisa de mágico de surrealista...já foi em tempos um espaço onde se guardava e tratava o arroz dos campos ali ao lado. existe um espaço exterior quase a lembrar um alpendre onde ao final da tarde me posso deliciar com uma marguerita e saborear o verde dos arrozais semi deitada numa chaise longue de ferro forjado em preto com alguns almofadões onde me enrosco a ouvir música.


lá dentro saboreámos juntos os candelabros monstruosos suspensos do tecto, lindíssimos e magníficamente pendurados no céu da sala principal. a vela acesa na mesa serviu de desculpa para pequenas brincadeiras à semelhança do que se passou na véspera no bar enquanto nos preparávamos para sair e coloquei o copo da marguerita dentro da mala.
quando saímos do museu envolveu a minha cintura com o braço dele e beijou-me na face "obrigado pelo jantar" disse.
limitei-me ao silêncio dizendo-lhe que tinha feito questão de...



reli o "à beira do rio piedra" do paulo coelho. tinha-o lido faz exactamente dez anos antes. exactamente os mesmos dez anos de quando ele me deixou.
largou-me sem dó sem voltar a olhar para trás como quem fugia de mim. talvez porque se sentia saturado ou apenas farto ou cansado como quem diz "deixei de te amar".
ainda hoje transporto comigo o imenso sofrimento desse instante uma dor tamanha que se alastrou pelo meu corpo todo como um arrepio gelado que me subiu dos pés à cabeça e me fez permanecer quieta quase imobilizada em silêncio colada ao chão da sala vendo-o partir.
após dez anos voltei a conquistar aqueles beijos os mesmos risos os gestos atrapalhados as palavras descomprometidas aqueles abraços como quem transporta consigo um mundo sem medos com tamanha força que o peito se torna pequeno demais para desejar maior amor.
se ser feliz é isto então eu sou.



é uma história de amor "à beira do rio piedra" como o é a minha e "é desnecessário conversar sobre o amor porque o amor tem a sua própria voz fala por si só".
eu reli "sentei e chorei" como quem renasce e estende os braços como quem diz "fica" e ele ainda aqui está.
chama-se pedro vai fazer dezoito anos no próximo dia três de setembro pelas treze horas e vinte minutos e é meu filho.





























uma dor tamanha que se alastrou pelo meu corpo todo como um arrepio gelado que me subiu dos pés à cabeça e me fez permanecer quieta quase imobilizada em silêncio colada ao chão da sala vendo-o partir



















para o pedro
filho

escrito a quinze de agosto de dois mil e sete










fotos de antoni gabriele toppi

















2.9.08

e tu que me dizes se te disser cala_te?

assim existes_me












será que vou morrer? pergunto dentro de mim
será que vou morrer? olhas_me e só tu sabes


































fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.




josé luís peixoto

















































































se eu existisse iria escrever_me assim completa sem sequer saber porquê. escrever_te inteira sem me importar de nada. só por te saber desse lado é como se te inscrevesse em mim. e assim o faço. são monólogos extensíveis a duas vozes em que as partes tudo se dizem.e nada. a minha aqui que a faço com a outra minha aí que me responde. assim existes_me.


fazer de conta que se existe sem sequer tão pouco apetecer andar por cá muito menos por aqui. nem lá. onde te encontras calado mas que te fazes ouvir surdamente sem dizer absolutamente nada de nada.
fazer de conta que me olhas quando descaradamente me escondo em abecedários incompletos de a a z sem sequer passar pelo o. ou pelo i de ti.ou pelo eme de mentira. de mim.

o inventar existir quando tudo se é e quase tudo se deixou para trás. nada. ou quase. tudo.


e tu que me dizes se te dizer cala_te?













ao oldmirror
que não conheço
e se calhar
tão bem conheço
ou não conheço nada












































fotos de kaveh h.


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