28.9.07

o haver


Resta, acima de tudo
essa capacidade de ternura
essa intimidade perfeita com o silêncio.
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo.
Perdoai: eles não têm culpa de ter nascido.
Resta esse antigo respeito pela noites se falar baixo
essa mão que tateia antes de ter
esse medo de ferir tocando
essa forte mão de homem
cheia de mansidão para com tudo que existe.
Resta essa imobilidade
essa economia de gestos
essa inércia cada vez maior diante do infinito
essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons
esse sentimento da matéria em repouso
essa angústia da simultaneidade do tempo
essa lenta decomposição poética
em busca de uma só vida
de uma só morte.

Resta esse coração queimando
como um círio numa catedral em ruínas
essa tristeza diante do quotidiano
ou essa súbita alegria ao ouvir na madrugada
passos que se perdem sem memória.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
essa imensa piedade de si mesmo
essa imensa piedade de sua inútil poesia
de sua força inútil.

Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
de pequenos absurdos
essa tola capacidade de rir à toa
esse ridículo desejo de ser útil
e essa coragem de comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade,essa vagueza de quem sabe que tudo já foi,
como será e virá a ser.

E ao mesmo tempo esse desejo de servir
essa contemporaneidade com o amanhã
dos que não tem ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar,
de transfigurar a realidade
dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é
e essa visão ampla dos acontecimentos
e essa impressionante e desnecessária paciência
e essa memória anterior de mundos inexistentes
e esse heroísmo estático
e essa pequenina luz indecifrável
a que às vezes os poetas tomam por esperança.

Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
na busca desesperada de alguma porta
quem sabe inexistente
e essa coragem indizível diante do grande medo
e ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
de refletir-se em olhares sem curiosidade, sem história.

Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho,
essa vaidade de não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável.

Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
e esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.


Resta esse diálogo quotidiano com a morte
esse fascínio pelo momento a vir, quando, emocionada,
ela virá me abrir a porta como uma velha amante
sem saber que é a minha mais nova namorada.


vinícius de moraes/ edu lobo

26.9.07

monólogo de orfeu



"agora que não estás deixa que rompa o meu peito em soluços!

te enrustiste em minha vida e cada hora que passa
é mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo em mim...


e sabes de uma coisa?
cada vez que o sofrimento vem
essa saudade de estar perto se longe
ou estar mais perto se perto
que é que eu sei!


essa agonia de viver fraco o peito extravasado
essa incapacidade de me sentir mais eu orfeu


tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem
nada disso tem importância quando tu chegas
com esse contentamento essa harmonia esse corpo!
e me dizes essas coisas que me dão essa força
essa coragem
esse orgulho de rei


meu verso meu silêncio minha música!

nunca fujas de mim
sem ti sou nada
sou coisa sem razão


orfeu menos eurídice...
coisa incompreensível!

a existência sem ti é como olhar um relógio
só com os ponteiros dos minutos


tu és a hora és o que dá sentido e direcção ao tempo
qual mãe qual pai qual nada!
a beleza da vida és tu amada


vai ao teu caminho que eu vou-te seguindo
no pensamento e aqui me deixo rente
quando voltares pela lua cheia
para os braços sem fim do teu amigo


vai à tua vida pássaro contente
vai à tua vida que estarei contigo!"
vinicius de moraes

25.9.07

adeus sem adeus

preciso aprender a lidar com a morte.
com quem parte e me deixa assim triste. e mais só ainda.
impressionante como ainda não consegui deitar uma lágrima só que que fosse. antigamente lançava-me em choro. hoje já aprendi a lidar com a dor.
mas eu sei que vou quebrar. tenho de quebrar. preciso de quebrar.
a sensação de perda é vazia. oca. e enche-me de luto.
faz-me lembrar um poço sem fundo. e eu procuro bem lá no fundo o que não quero perder. mas como encontrar uma perda sem fundo?
não admito perdê-lo. recuso-me a perder.
na sexta à noite recebi o telefonema. "tens de ir ver o pedro. já não fala. se queres vê-lo com vida tens sábado e domingo. o tempo encurta para ele."
mas eu não quero ver o pedro assim. quero ver o pedro como quando o conheci. tinha eu catorze anos e ele dezassete. o pedro era tão bonito que me sufocava. vi-o pela primeira vez no alentejo. na aldeia onde nos cruzávamos em tempo de férias. costumávamos dar longos passeios à noite pela estrada. naquelas noites quentes de agosto que parecem constar no calendário porque tem de se cumprir o amor. sentávamo-nos nuns bancos de pedra à beira da estrada e ficávamos a conversar. ainda guardo comigo o cheiro do perfume que ele usava. o arrepio que me dava sempre que a mão dele envolvia a minha cintura. e o sabor que tinha a boca do pedro. nunca mais encontrei um sabor assim.
na estrada houve uma vez um abraço que só me vai largar quando eu morrer também. o tempo parou com ele. não havia mais nada além de nós os dois. e era eterno. fizemos juras de amor para sempre. e eu cumpri. costumo ser fiel ao que prometo. transportei-o comigo durante estes anos todos. porque todos estes anos nunca deixei de o amar. por isso não me quis despedir. detesto despedidas. jurei a mim mesma nunca lhe dizer adeus.
e continuo a cumprir.

23.9.07


de pintar
de pinta de ponto
inteiro
finito
com azul me visto
de amarelo me dispo
de branco
nu
cru
conquisto sem visto
e despisto
com pinta
com cinza de sombra
em fumo esvoaço
abraço
desfaço
e de preto entrelaço
com ponto
de encontro
sem hora marcada
nem mesa reservada
com a ausência do nada
falhada
sem linha
nem formato
calculado
qual estilhaço púrpura
esquecido
escondido
atrofiado
trespasso-me
em passo descabido
sentido
e magoado
renasço
inteira na paleta
e finito.

13.9.07

rouge

rouge
vermelho
de quente
de sangue
de paixão
de ódio
de ira
de cólera

in___tempo______pestuoso.

9.9.07

há ponto final


porque é que ando feliz? dou por mim a cantarolar e determinada como nunca. sei o que quero como quero quando quero e para que quero.


não há interrogações possíveis exclamações supostamente prováveis nem tecicências duvidosas. há os pontos finais. ponto final. ando na fase do ponto final.


sei quem sou o que sou como sou para onde vou porque vou e como vou.


aprendi a dizer não.tardiamente mas aprendi. o sim era muito raro. jogava mais com o talvez. dou por mim a pensar nisto. no fundo há uma ponta de revolta por ser quem sou e não querer ser assim. mas eu sou assim. combato-me muito. mas nessa guerra que tenho comigo nenhuma de mim sai ganhadora. mantenho-me estável. quase equilibrada.


sempre me assustou a mudança. o talvez era razoável. o não extremamente seguro. e o sim não fazia parte do meu vocabulário.


mas apetece-me dizer o que me apetece dizer. hoje não sei. amanhã logo se verá. deixa ver como me sinto. depois logo se vê se me apetece. dia após dia pratico-me cada vez mais ao sabor dos apetites. dos meus claro. se calhar é por isso que me dizem que ás vezes consigo ser bem desagradável. como desagradável? se só digo o que me apetece.


sei que magoo os outros. é uma defesa minha. faço-o para não me magoar a mim. faço mal. porque assim fico magoada por magoá-los. mas que mágoa!


ando na fase do ponto final.

há ponto final.

ponto final.

fantasmas de goya




8.9.07

se foi contigo que abracei o amor

para o pedro azevedo mendes





3.9.07

carta fechada com postal ilustrado




ao pedro em setembro a três

















carta fechada com postal ilustrado


tem coisas que nunca se dizem. tem outras que tardam em se dizer. e ainda tem aquelas que tardam mas acabam por ser ditas.

as coisas pessoais não se dizem. porque são pessoais. ou pessoal. e por ser da pessoa nunca se devem dizer. escrevem-se.

nada como a palavra para traduzir o que nos vai na alma. tem outras coisas claro. a pintura. a música. o amor. talvez quase tudo o que mais prezo na vida. tem outras. a liberdade. um bom amigo. uma boa paixão. mas é nas letras que nestes últimos tempos me agarro de corpo e alma.


nunca tive espírito maternal. muito menos de maternidade. mas aconteceu. porque deixei acontecer. porque de verdade me apeteceu. por outro lado na altura e já lá vão dezanove anos o casar e ser-se mãe e o ter filhos era ser-se normal. pensava eu. porque quase todas as mulheres se casavam e tinham filhos. errado! como andava enganada nesse tempo. se calhar hoje em dia também ando. mas em normalidades diferentes que essa.


tinha de ser um rapaz. semprei gostei de azul e detesto o cor de rosa. e tinha de ser pedro. assim era o prolongar mais ainda esse estado de paixão. porque gosto do estado de alma quando me apaixono. para não falar naquele calor que me entra pelo peito adentro. anda-se com cara de parva. e dizem-se muitas baboseiras. as pessoas ficam estranhas e perguntam " estás apaixonada?" ao qual nem respondo limitando-me a um grande sorriso que me vai de orelha a orelha com aquele brilhozinho nos olhos tão característico de quando se ama. e se continua a fazer figura de parva.


demoraram uma tarde inteira a trazê-lo para o pé de mim. estava em observação. no corredor alguém chegou ao pé de mim e perguntou se eu era a mãe do pedro. havia um problema qualquer. nessa noite não preguei olho. não por causa do problema qualquer. porque só queria olhá-lo. só na manhã seguinte o olhei bem demais. só dias depois me disseram desse qualquer problema. só nove anos depois se resolveu o problema qualquer. hoje não há qualquer problema!


quando entrei soava o "morning has broken" do cat stevens. era a minha música e a do pedro também. não a do pedro filho mas a do pedro paixão. há coisas que não se explicam. há coisas que não se dizem. as pessoais tardam em se dizer ou nunca chegam a ser ditas. ouvem-se.


há uma e meia da tarde tive o pedro. é uma sensação estranha a de ser-se mãe. parece que nos esquecemos de nós. tudo gira à volta daquela amostra de gente que nem consegue falar nem andar nem nada. tão dependente de mim. e eu tão verde. sem saber sequer como pegar nele ao colo. com medo de o deixar cair. com medo de fazer alguma coisa errada. como tive medo. acho que nunca tive tanto medo na vida como desta vez em que tentei deitar para trás das costas a minha anormalidade.


há coisas tão pessoais mas tão pessoais que não se dizem nunca se escrevem e jamais se ouvem. amam-se!

1.9.07

em_____pa___ti a

onírico
ao miguel






empatia
do grego empátheia que significa entrar no sentimento.
estado de alma
capacidade psicológica para se identificar com o eu de outro conseguindo sentir o mesmo que este nas situações e circunstâncias por esse outro vivenciadas.
a minha em_______pa____ti a
quero não quero
devo não devo
posso não posso
lês_me não lês