ontem estava a perder a vontade de tudo. e quando digo tudo é mesmo tudo. perder a vontade de mim desistir-me rebentar-me estoirar-me com o que me resta. ainda. me resta. que não sei o que é quanto é como é o que será demorará ou irá tardar será rápido ou devagar. tanto se me faz. o cansaço esse já faz parte. ou parte do cansaço parte. e parte-se-me o sono que tardou em chegar. fecho os olhos e deixo tudo para trás. nada quero nada me interessa. apago tudo o que há antes deste sono. a minha cabeça ficou limpa de tanto tempo de sono de tanta sombra de tanta escrita maldita de tanta letra mal lida palavra não dita e tanto desamor bendito. apago-me. que bom.
"se um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma apoteose do sono. Não sei de prazer maior, em toda a minha vida, que poder dormir. O apagamento integral da vida e da alma, o afastamento completo de tudo quanto é seres e gente, a noite sem memória nem ilusão, o não ter passado nem futuro"
in livro de desassossego