28.3.08

fidelitasfidelitate

fidelidade


















Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás de uma cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe.
Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe. O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro, onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava.
Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor – sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente que assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas, como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou o peixe amarelo.






teoria das cores de herberto helder




















fidelitas

































fidelitate





















fide



fido



fim




















fiz
de
mim
o
que
não
quis




























quis

fugir

e

imóvel

fico

quando

me

chegas

sem

aviso

e

me

dizes

que

devo

partir

sei

que

vou

ou

não

mas

não

tenho

como

ir
















não

sei

se

um

dia

possa

não

estar

assim

sem

ir

nem

ficar

ou

voltar

a

ti

24.3.08

de pina baush









quero que gostes de pina baush

























"quero que gostes de pina baush
ou até já nem gostes
queiras mais queiras diferente
que gostes da cor e do risco de miró
e do canto desiludido e fundo de ferré"














































"quero que aprecies os cheiros sensíveis


da eternidade"




de eterno de pedro barroso



















































quero


que
não
saibas


o


que


se


passa


por


aqui


quero


na


mesma


saber


de


ti


alongar_me


em


conversas


que


nunca


tive


quero


continuar


a


desejar_te


pecando


por


cada


vez


que


penso


em


ti


estender


os


braços


sobre


os


teus


ombros


continuar


calada


e




ficar


assim






















20.3.08

as aulas de modelos

"come chocolates pequena come chocolates"
adoça o corpo como se o de um amante se trate


corre-lhe nas veias o preto do carvão que sujava as folhas nas aulas de modelos. as mãos essas fragilizadas por não tactear procuravam o conforto que lhes faltava. espreitava sorrateiramente aqueles corpos nus à sua frente como se fosse um pecado. disfarçava atrás de alguns cavaletes no canto mais fundo da sala. a mina de grafite deslizava timidamente no papel. e transpirava poro por todo o lado. o macio da pele quase que se cheirava. provocava. provocava-me. e era no desenho que se notava mais. riscava o lado exterior à forma. funcionava como um negativo. preenchia-se o vazio do lado de fora.em vez de construir a forma conseguia construí-la desconstruindo-a.


mereceu-lhe na altura com a descoberta desta técnica que mais não passava de uma estratégia para superar a vergonha o elogio do mestre em exercício. e um merecido dezanove no final da cadeira de modelos.


na primeira vez que entrei na sala não sabia bem o que me esperava. no centro um palco mais elevado em madeira onde um corpo às vezes dois teimavam em permanecer quietos durante duas infindáveis horas. mudavam-se de vez em quando para posições mais confortáveis. e eu irritada por recomeçar tudo de novo. e ali ficavam assim rodeados de olhares uns mais indiscretos que outros dos alunos que frequentavam as aulas. era vê-los num rodopio de entradas e saídas frequentes do atelier. e eu permanecia calada no meu canto olhando desconfiada aquela movimentação toda. incapaz de me afirmar queria estar sem que ninguém percebesse que ali estava. vá lá esperar-se que algum deles sugerisse que eu fosse para o palco.

os primeiros croquis foram desastrosos. como representar a nudez se dela não entendia nada. e não olhava. mas teimosamente tentava. perceber aquele amontoado de formas era complicado. quando chegava à parte das mãos desesperava. adoro mãos. mas desenhá-las não. lembrava-me então o quanto o seu toque me era dado. o doce tacto dos dedos finos e longos na palma. o apertar sem força nas costas. o dar. apenas dar. e representava-as assim. fácil.



as aulas de modelos prolongaram-se por dois anos. no segundo entrava descaradamente como se fosse ao bar. sentava-me confortávelmente na primeira fila e olhava abertamente para o palco no centro. então e hoje quem vou desenhar?







engraçado como na altura a nudez se me tornou familiar. deveria regressar outra vez a essas aulas. faziam_me falta. perdi um pouco esse conforto. esse diálogo. essa destreza fina da mina de grafite na mão. perdi esse à vontade com a nudez. perdi o meu lugar no cavalete da primeira fila em frente ao palco. perdi o corpo que me adoça como se o de um amante se tratasse.










"come chocolates pequena come chocolates
come pequena suja come"
fotos de katia chaushera

17.3.08

em vermelho

em vermelho












silêncio
esta paixão é minha
















ver__me em dor
é sempre novo
quando me descubro na tua pele





sabor
sabes?






prova___me






























aguardo__te
noutras notas













canta___me



























em cada dança
eu troco os passos
descompassada
imobilizada
entre quatro cantos












encanta___me
















gostar__te ainda esse gosto que não acaba nunca

sempre que me sabe a sangue quando mordo a tua boca

enche__me a taça









porque te bebo inteiro

hoje

13.3.08

hoje bati com a porta

hoje bati com a porta senhor presidente do conselho executivo.
mas só por hoje. amanhã sou a primeira a entrar.

mais um dia de escola. levantei_me já sem vontade nem energia suficiente para dar aulas. pensei mas hoje tenho a feira das ciências e até já reservei os meus cactos. após três bicas enchi_me de coragem e saí.

a recepção não poderia ter sido a melhor. tinha à minha espera o presidente do conselho executivo a coordenadora do departamento de línguas e duas colegas de grupo.
fui chamada ao gabinete. "repreendida" por ter pensado alto. por um comentário que fiz ontem na reunião de grupo.

o clima geral é de um ar pesado que se respira. a ivone até já nem põe o capacete.
para quem não sabe o capacete da ivone é um capacete romano feito de metade de uma bola de futebol e pintado de castanho que foi usado num teatro e depois ficou abandonado na sala de e.v.t. recuperei_o usando_o durante a reunião de departamento de educação artística quando da eleição do cargo para delegada de educação visual e tecnológica. fui eleita por maiora quase absoluta. ainda hoje não entendo no que é que os meus colegas todos estavam a pensar quando votaram numa professora de capacete romano na cabeça.

o dia hoje começou mal. mas piorou ainda mais. no último bloco da tarde o sexto H. vinte alunos que ao final do dia querem tudo menos ouvir falar em avaliação. muito menos a auto. mas eu tinha programado ou melhor planificado essa avaliação para hoje. e temos de chamar as coisas pelos nomes. vá lá saber_se se também alguém aqui me vai avaliar.

ficha nova? sotora o que é uma unidade de trabalho? após quinze minutos de esclarecimentos a dúvidas as dúvidas mantinham_se. nem voltei a tentar. porquê? básico. não ouviram nada do que eu disse. aquelas cabecinhas pensam em tudo menos no que se está a tentar explicar.

para quem não sabe e.v.t lecciona_se em par pedagógico. isto é são dois professores na aula. complicado não é? formações diferentes personalidades diferentes e às vezes muito ou quase nada em comum. é como um casamento. só de escrever a palavra fico mal disposta. a mais difícil para mim é a fase de adaptação. longa e por vezes dolorosa. depois habituo_me.

mas como estava a dizer o estarem dois professores na mesma sala justamente implicaria tarefas comuns e divisão de trabalho.mas não.no meu caso não se passa assim.

na hora de almoço apeteceu_me pegar na pasta e ala que se faz tarde vou_me embora para casa. resisti. aguentei. avisei a turma que tinha de haver silêncio para se conseguir trabalhar. ao qual minimamente cumpriram tirando o caso do nino que continua no fundo da sala à conversa com o humberto e que até de vez em quando trocam mensagens no telemóvel ou o daniel que não pára de comentar a desgraça que foi a derrota do benfica ou da diana que teima em manter a sua pochete a preto e branco em cima da mesa de trabalho comentando com a carina o que a sotora hoje traz vestido ou o pedro morgado que teima em continuar a fazer pontaria aos colegas com a sua invencível esferográfica bic transparente e a ana pires que de cinco em cinco minutos pede para ir à casa de banho e que até tem autorização médica ainda não percebi bem porquê.

vou_me lá eu preocupar com quarenta e cinco minutos de falta minha quando quem está em falta não sou eu mas sim os vinte alunos do sexto H que tenho no último bloco da tarde de quinta feira mais a colega presente que está ausente?

e tentei. juro que tentei várias vezes . pelo que há de mais sagrado seja lá onde for eu juro que tentei. tentei manter algum interesse pelo que se tinha de fazer. mas parece que a única interessada ali era eu. tentei manter alguma disciplina e silêncio na sala de aula. por breves instantes era conseguido. tentei realizar a auto e hetero avaliação. afundada em fichas de trabalho dossiers e lápis e lapiseiras por cima da secretária.

tudo isto enquanto a colega impávida e serena consultava as planificações de todos os colegas de grupo no dossier da disciplina. tudo isto enquanto a colega se levantou e se dirigiu ao fundo da sala onde tem um armário só dela para de lá trazer um saco de cartolina em amarelo vivo daqueles onde se costumam colocar as embalagens das amêndoas da páscoa para se voltar a sentar guardando nele o cacto que tinha comprado na feira de ciências. tudo isto enquanto acomodou com muito amor e carinho o seu cacto dentro do seu saco amarelo. tudo isto enquanto permaneceu sentada de braços cruzados em silêncio na sua secretária.

cinco minutos antes das dezassete e trinta pedi desculpas aos alunos e à professora pela minha incapacidade de dar a aula. o silêncio abateu_se com toda a força na sala. o mesmo silêncio que eu pedi no início para conseguir trabalhar e que a turma até conseguiu cumprir. ninguém mas não houve ali ninguém que acreditou em mim. a não ser eu. a única que se levou a sério fui eu. a única que acreditou fui eu.

fragilizada pela impotência de conseguir permanecer peguei na pasta e na mala levantei_me e despedi_me. o daniel a diana o ruben e a carina desejaram_me bom fim de semana. ainda me falta sexta pensei. a professora que fica ali na sala é que amanhã tem dia de folga. saí da escola e já depois de ter passado o portão respirei fundo. bem fundo. por hoje chega. já tenho a minha dose.



hoje bati com a porta senhor presidente do conselho executivo.
mas só por hoje. amanhã sou a primeira a entrar.
quantas vezes mais?

9.3.08

e o mi em fim







e o mi
em fim

e o sol
e a dó
e de mim




e a clave
e o mi
em fim

de pêndulo








de pêndulo
de
pendurada
a
susto_me
porque
não te toco





se pudesse
a
garrava_te
e
de
sa
braçava_te
des
largando_me
dos não
que
te disse.

3.3.08

pi. amo.











se.
se na minha pele
agarro cada corda nua
me dispo de adagios surdos
alinho_me
nas pautas
que em cada nota
te abraça
por fim
como que numa clave de sol
só tua
.pi. amo.








pi. amo.

1.3.08

sem moldura





sem moldura




































"não te olho quando afirmas pela mágoa a cor negra da alma pois o desalento come a cor a quem se fecha sobre o olhar adormecido na palma da mão...pela moldura não se descobre a pintura"



sem saber quem escreveu o texto sei que sou eu nele
é assim que me sinto agora
um desalento imenso
amanhã vou_me vestir de água