28.1.10

agora que tu não estás deixa_me que te diga













é a isto que se chama infelicidade? pois então que seja assim visto mais nada me dares



























O amor, com o tempo, renuncia tão bem a ver distintamente a noite.

Quando não estás lá, há o teu perfume que me procura. Não consigo fazer com que me restitua senão o oráculo da tua fraqueza. A minha mão na tua mão tão pouco se parecia com a tua mão na minha mão. A infelicidade, vês, a própria infelicidade ganha em ser conhecida. Tinha-te recebido como quinhão, não podes deixar de lá estar, és a prova de que existo. E tudo está de acordo com esta vida que para mim fiz para ter a certeza de ti.
— Em que pensas?
— Em nada.







andré breton e paul éluard
as mediações a imaculada concepção
























agora que tu não estás deixa_me que te diga o que nunca te poderei contar porque nem te passa pela cabeça o que me vai na alma. um dia não vai chegar para tudo o que me falta escrever e que continua adiado.
não consigo olhar_te fico estática não consigo tocar_te fico parva não te consigo chegar.





é a isto que se chama infelicidade? pois então que seja assim visto mais nada me dares














escrito após ver o filme corrigindo beethoven
fotografias de sara braun

25.1.10

pareço louca

















a noite deixou-me outra vez transtornada
lentamente a manhã se enche
de palavras que eu sei de certeza
que significavam alguma coisa, mas o quê?
que ontem significavam alguma coisa.
andar é balançar sobre os pés,
vejo na rua os seres de sangue quente
que tiveram também a inexplicável coragem
de se levantarem
em vez de ficarem deitados.
nunca ninguém tem a certeza de nada,
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. mas no fundo
somos doces como turkish delight
numa lata cheia de pregos.








coragem de judith hergberg


























quem me dera ter certezas do que ainda não sei nem nunca ouvi mas que todos os dias se repete em conversa de telefone por entre palavras ditas e reditas repetitivamente os bons dias que me assombram na esperança de me levantar e encontrar alguma coisa diferente mudar no entanto essas certezas seria tarefa bem mais complicada do que possa parecer pois então e muito provavelmente ficaria mais à deriva ainda mais do que aquela em que já me encontro no presente mas deriva por deriva chega_me então este pequeno labirinto de onde parto todas as manhãs e de que quando chega a noite sei de certeza o que me vai novamente acontecer no dia seguinte igual ao dia antes e sei de certeza o que me vais dizer mais uma vez sem ser a última ou então do que nunca diremos porque nos deixamos por dizer uma vez mais ou do que adiamos sempre na certeza porém de que no dia seguinte logo de manhã bem cedo nos voltaremos a falar novamente














pareço louca










fotografias de tania koleva

20.1.10

falta











acto ou efeito de faltar privação falha imperfeição culpa pecado leviandade erro






























cumpro_me inteira no dever e sem medo de me não desviar mas cumprindo_me obrigo_me de certo modo a algumas falhas falhas essas que me apetecem falhar porque não falhando não me sinto obrigada a andar em rebanho tipo ovelha negra ou ranhosa tanto se me faz como lhe queiram chamar. assistindo_me assim na obrigatoriedade de me ter que justificar achei_me no dever de ter como motivo o assunto pessoal sendo este sempre uma boa desculpa para que nada se saiba ou parecendo que se sabe nunca se chega a saber nada ou fica_se sempre na mesma ou seja na dúvida se se sabe.confesso que estou um bocado farta um bocado é favor estou mesmo muito muito farta o que equivale a dizer que neste preciso momento me sinto uma perfeita super farta. e de tanta fartura solta_se_me de vez em quando assim como quem não quer nada uma valente tampa arrebenta_se_me a bolha e vai tudo pelo ar. ele é cadeira ela é trapos pratos ou sapatos. tudo o que me vem à mão é bem vindo e é para atirar. mas não pensarás tu "ela até é calma". e é neste cenário em casa onde nada é nada só ar que me solto por cá sem saber o que se passa. por isso estou farta mais que farta muito mais que farta super farta. falta_me justificar o injustificável de se ser farta. e é nesta fartura tão vasta que me consigo equilibrar. o facto de tu não estares quase ou quase nada já me afasta mais. ser outra basta. por isso me apetece atirar tudo ao ar. cadeira trapos pratos ou sapatos. ser outra já basta. sou mesmo boa no que faço a pintar ou a atirar coisas ao ar. querem cor? hoje não há.















injustificável que não se pode justificar

querem cor? hoje não há.











fotografias de zefram antonio gabriele e katia chausheva

4.1.10

há muita luxúria na miséria mais extrema
e isto é mesmo só para não chocar





















vi_me comoprimida
num ajuntagente
ora eu só suporto pessoas à distância
de preferência com uma mesa de permeio
acontece que uma mulher foi projectada
para cima de mim com um cigarro aceso
há pessoas que vão para ajuntagentes
fumar cigarros!
ora eu temo as queimaduras
muito por sua vez caí por cima de uma mulher
que era um sex symbol depois
de sofrer uma homotetia de razão
superior a I
há pessoas que vão para ajuntagentes
com dez alcinhas
de cada lado
e o soutien alças em duplicado
se caio para baixo passam_me por cima
a única saída é sair por cima
disse de mim para mim
as pessoas do ajuntagente
reparei eu então
eram feitas aos degraus
comecei a subir pela que
estava mais perto
era uma mulher
dei por isso quando começou
a menos que fosse
um contratenor
mas alguém teve a mesma ideia
que eu
e começou a subir por mim acima
ora eu era intocável
agora já nem consigo
dizer nada de mim para mim
o de mim para mim acabou
não há lugar para mim
num quadro de rubens











um quadro de rubens de adília lopes


































ruben era gordo porque comia demasiado. e eu não gosto de gente gorda daquela que come à farta. por isso não gosto de ruben. só gosto de gente magra. daquela que deixa tudo no prato nem sequer toca nos talheres muito menos no guardanapo. apenas se sujam em trapos. a boca é gasta não em comida mas no amar. daquela que pega no copo e se esvazia se exorciza em gastos. restos de madrugadas mal dormidas manhãs perdidas em abraços. daquela gente que não mente com todos os dentes à boca cheia revirando o rebordo da taça. o vidro é um pretexto para se falar revirando_se a língua no deixar passar a palavra vezes sem conta tantas vezes que se perde a noção do dizer do estar do esfrangalhar. o paladar esse apura_se. da cabeça ao calcanhares.a intenção não é chocar.nem achincalhar.só saborear. é de tradição sem o ser sentar_me à mesa sem nada comer apenas lamber o ar. serve_me de alimento em dia e durante a madrugada. por isso sou magra. por isso gosto de mim. ruben era gordo porque gostava de comer. por isso não gosto de ruben. porque era farto. à brava. coitado! nunca soube o que era jejuar. o jejuar de pão queijo ou folhado ou mar. há que mastigar o ar. cortar a carne. engolir o vomitado. há que gostar de amar. e ruben continuou sempre muito gordo porque comia muito e não jejuava. ruben não sabia a mar. e eu só gosto de gente magra.












e isto é mesmo só para não chocar






fotografias de marco barsanti e kevin convery