27.4.08

no entretanto nada

no entretanto












nada



















chamo_te porque tudo está ainda no princípio
e suportar é o tempo mais comprido
peço-te que venhas e me dês a liberdade
que um só dos teus olhares me purifique e acabe
há muitas coisas que eu quero ver


peço_te que sejas o presente
peço_te que inundes tudo


e que o teu reino antes do tempo venha
e se derrame sobre a terra
em primavera feroz pricipitado






sophia de mello breyner






















seguro_me no fino fio que me prende ainda ao princípio do fundo do mundo
e fico à espera de um dia chegar ao cimo





































no entretanto nada
descanso_me
.
.
.
.
.
.

25.4.08

com uma mão cheia de nada

e a outra de coisa nenhuma










com uma mão cheia de nada








































apesar das ruínas e da morte
onde sempre acabou cada ilusão
a força dos meus desejos é tão forte
que de tudo renasce a exaltação

e nunca as minhas mãos estão vazias








sophia de mello breyner






















com uma mão cheia de nada e a outra de coisa nenhuma

acho que os meus dias não passam de isso mesmo. de mãos vazias que sonham.
levanto_me já perto da tarde. tropeço pelos corredores até encontrar os estores para abrir o dia. a transparência da janela protege_me do calor que faz lá fora. teimo em manter_me fria. o pacote de leite também. já somos dois. adormece_me ainda mais o não sair. transporto_me até à mesa onde o café duplo me espera. após o primeiro cigarro do dia teimo em não querer acordar. à espera do nada ou de coisa nenhuma arrasto_me até ao sofá. acabo por optar mais uma vez em continuar a permanecer adormecida.







pior que não gostar de acordar é querer continuar adormecida.
como num desejo de sonho.

16.4.08

mas que vergonha não ter uma sombra

descarada









































mas que vergonha não ter uma sombra

mas se é assim calada
no nada
que tenho uma boa dose
de quase tudo




tudo














mas que vergonha não ter uma sombra











descarada em nada
e continuar assim calada

com a falta

tua







sua


14.4.08

contraverdade

contraverdade











agora
te
digo
em boa verdade
que tudo o que escrevo
é mentira







































e como me dá prazer
fazê_lo
fotos de tommy p.

comsonho










como se um sonho me deixasse abraçar_te









sonho
sentido











sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes tu
a quem chamo amor
cada ano pudesse trazer um pouco mais de convicção a esta palavra
é verdade o sonho poderá ter feito com que
nesta rarefacção de ambos
a tua presença se impusesse
como se cada gesto do poema te restituisse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome
confundindo os teus lábios com o rebordo desta chávena de café já frio
então bebo-o de um trago o mesmo se pode fazer ao amor
quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -terra água nuvens rios
e o lago obscuro do tempo que o inverno rouba à transparência das fontes
é isto porém que faz com que a solidão não seja mais do que um lugar comum
saber que existes aí
e estar contigo mesmo que só o silêncio me responda
quando uma vez mais te chamo
écloga de nuno júdice
sem sonho
sem vida
só sentida
sonhei_te
hoje

12.4.08

tem naturezas mortas meu amor tem naturezas mortas

tem naturezas mortas na parede meu amor tem naturezas mortas














tem naturezas mortas







e tem eu aqui


vês?

tem naturezas mortas na parede meu amor tem naturezas mortas.






nas belas artes tinha uma cadeira de artes plásticas que se dividia em escultura design e pintura. a minha favorita obviamente era a pintura. em escultura era um desastre. no design assim assim. definitivamente as naturezas mortas eram o meu forte. plantava maçãs em padrões inspirados nos panos de cozinha lá de casa. fizeram um sucesso. o mestre gostou.



no terceiro ano chumbei. o bacharelato adiado. foi notícia na escola superior de belas artes de lisboa. a pintura? mas ninguém chumba a pintura.



espalhei_me quando cheguei a casa. tranquei_me no quarto e o resto do dia foi uma choradeira pegada. doeu a valer. foi mesmo dor. dessa vez.



não digo que a culpa fosse da incompatibilidade entre mim e o professor. o mestre estava ausente na altura. aquele professor conseguia tirar_me do sério. só a presença já me incomodava. admito até que as minhas paisagens faziam lembrar um pouco a alice no país das maravilhas. admito que as telas da figura humana mais pareciam retalhos da fase cubista do pablo. mas as naturezas mortas meu amor as naturezas mortas? os padrões as maçãs...na parede.



após um longo agosto inteiro a pintar em setembro apresentei_me de armas e bagagens no exame. o mestre estava presente. não percebeu muito bem o meu chumbo. até tinha umas naturezas mortas que prometiam alguma coisa no futuro. eu percebi tudo. mas não lhe disse nada. tanto mas tanto que ficou por dizer no meu terceiro ano de pintura.



tem naturezas mortas na parede meu amor tem naturezas mortas.






e tem eu aqui.
vês?

8.4.08

à margem estarei. estarei bem









à margem







à margem
estarei

estarei
bem por sobre as águas
muito bem

à margem
também
serei
serei sobre as águas


margens bravas
vagas
margens
claras vagas
ausente não sou diferente
eu ando nas margens da corrente
e o tempo que voa
à toa eu ando
nas margens da corrente



à margem de pedro ayres magalhães









sabe bem



não sabe
ter conversas úteis
inúteis
e descaradas
amargas
ausentes
perfeitas
presentes
sabe bem
se sabe
falar
estar aqui
sem ser
à frente
olhar sem dizer
sabe bem
não sabe
não dizer nada
se sabe
nada
que bem
que sabe


























sabe bem


há conversas inúteis como os dias de chuva. em que não apetece sair de casa porque lá fora está agreste. o céu carrega_se de cinzento e o piso molhado agride o sentido do atalho por onde tropeço em pequenos lagos.



foi assim que saí de casa.tropeçando na água. o chapéu preto orgulhosamente ostentava duas varetas despidas de tecido. fiz de conta que uma qualquer rabanada de vento me tinha apanhado desprevenida. de casa à pastelaria para beber café e da pastelaria a casa é só atravessar a rua. ninguém reparou no chapéu nu. nem em mim se fosse despida. troquei_o em casa. o mesmo não pude fazer comigo.



depois há as boas tardes o bom almoço e o até amanhã. tudo sempre igual. a única diferença é que alguém nos chega pedindo coisas porque precisa. para mim a tinta branca ou a talagarça não passam de nódoas em águas paradas. pelo menos neste dia. gente que descaradamente nos mente na cara olhos nos olhos boca na boca. e sem dizer nada acabamos por nos dar a acatar os dizeres e sentires falseados.



se há coisa que detesto é gentinha sonsa. se há outra coisa que não tolero é ter que levar com essa gente falsa num dia em que só me apetecia ficar em casa. se há coisa que me tira do sério de verdade é ter que saber que tenho de levar com tudo isso como se o de uma obrigatoriedade quase diária se tratasse. e para piorar tudo ainda mais eu aceno que sim com a cabeça. como se o concordo fosse natural.



e a conversa continua despropositada descabida sem conteúdo nem contexto.nem a tinta branca faz falta. nem a conversa faz sentido. ainda me passou pela cabeça num só instante que fosse ir até lá fora para tropeçar nalgumas mais pocinhas de água da chuva. fazia_me bem melhor do que continuar ali especada a acenar que sim a não sei bem o quê.





há conversas inúteis mas tão inúteis que até apetece mergulhar nos lagos da água da chuva à porta de minha casa.

4.4.08

muda mas muda primeiro



amarga








amargura





























culpa








amargura descansada e triste
parece lonjura ou medo?
é quase certo
que nada existe
nada está perto
nem eu estou triste


















culpa que me segues sem eu querer
juras que me deixas decidir
aceitas ou não que nunca é tarde
aceitas ou não voltarei
se calhar se calhar
amanhã há-de haver mais
mas eu não sei
se calhar devagar
vou voltar à mágoa que deixei













amargura e culpa de pedro ayres magalhães







































muda






































mas muda












primeiro












porque não mudar
mudar de mim
mudar de estrada
mudar de atalho
mudar de mar
voltar as costas
bater a porta
mudar de vida
mudar de cor
mudar de palavra

mudar

misturar_me com novos gostos
novos ares
novos céus
novas ondas
voltar de novo às tardes quentes
mergulhar
afundar_me

mudar de marca
mudar de cheiros
mudar de tacto
mudar de pele
molhar de sal novas bocas








muda
mas muda primeiro