27.8.08

há um purgatório de silenciar em amar





e em cada gemido há um purgatório de silêncio presente






















Asas servem para voar
para sonhar ou para planar
Visitar espreitar espiar
Mil casas do ar

As asas nao se vão cortar
Asas são para combater
Num lugar infinito
para respirar o ar


As asas são para proteger te pintar
Não te esquecer
Visitar espreitar-te
bem alto do ar

São quando quiseres
A um amor que vês nascer
sem prazo, idade de acabar
Nao há leis para te prender
aconteça o que acontecer.








asas
de rui reininho

























voei em ti e planei em paz de espírito que se fez no meu paraíso inventado. é assim na tua pele que abraço a língua sem provar palavra. coisa pouca a não ser cada gemido que me entra na garganta e que é prova única. desfaz_se o gosto amargo que transportei na boca tantos anos e que transformo agora em sabores quentes que se me instalam nos lábios. o cheiro não há. taparam_se_me as narinas para te receber no tacto. por cada vez que passo a mão em ti cada sentido é um todo sem sentido que se me faz.
és tu assim que te atravessas na cama e que não falo para te chegar a correr de alto a baixo. escorrega_se_me a boca por cada beijo que te marco. meu amor minha vida minha alma. meu sentir. deixa_me agora enfim que não te diga porque nada te disse e te disse tudo. tudo o que me passava pelo corpo. tudo o que te quis sempre dizer e sem dizer tu sabias que eu dizia. digo_te pois finalmente que não te quero dizer nada.

és tu que me corres no corpo inteiro. em cada poro que transpira por te dizer o quanto um dia te posso gostar. inteira eu dos pés à cabeça na nudez que é só tua sem abrigo de mãos. no acordar em madrugada quente de respirar em ar que não sufoca já no quarto da minha casa que nos serviu de testemunha no voar.

sim. a palavra agora é sim. porque não dormi enfim sozinha. não precisei de dormir . as horas do sono ganhei_as contigo por entre os braços. o sono foi sonho de dormitar contigo entrelaçada num purgatório de sonhar. na quente madrugada do meu quarto que nos serviu de testemunha sem testemunhar. comungando connosco um verbo em se amar por fim numa paixão que nos serve de silêncio sem nunca sequer se silenciar.

ficou o resto de mim. contigo. debaixo da almofada. é o que me resta. um corpo ardente até ausente. parece despenteado. silhueta permanente atravessando_se nos meus sentidos. e nos lençois presentes há um corpo sempre. ausente. há dois corpos quentes talvez invento. em cada gemido há um purgatório de silêncio presente.













e há um purgatório de silenciar em amar




































que como eu
vive a paixão com paixão
em silêncios
em amar




fotos de tommy p.

21.8.08

pintar a tela do querer querer tanto tanto faz que basta tocar

sem tocar
sem falar
sem cheirar
sem ouvir











a proposta é silenciada em palavras em que cada sentido não faz sentido já ou todo o sentido faz











Te propongo esta noche llegar a un acuerdo,
un diálogo entre mi cuerpo y tu cuerpo
una conversación sin palabras,
un silencio de proyectos,
que tus dedos interpreten
el lenguaje de mis dedos.
Te propongo, simplemente,
alargar la caricia,
no planear la llegada a la cima
sino navegar con el remo de mis brazos
no utilizar para nada el salvavidas
ni que el tiempo detenga la mirada
dirigida a los botones de tu camisa.
Te propongo un pacto de susurros,
una tertulia de gemidos,
un monólogo de gritos,
que todo lo que no dijimo
sen la piel permanezca escrito.
Te propongo una noche interminable,
lenta, muy lenta, tan lenta
que cuando nos interrogue la mañana
no sepamos quiénes somos
ni hacia dónde vamos,
como si aprendiéramos de nuevo a leer
igual que dos niños pequeños,
como si aprendiéramos de nuevo a escribir
sobre el pálido folio de nuestro cuerpo.
Te propongo una lectura corpórea
desde el prólogo de tus ojos
hasta el epílogo de mi boca.




propuesta de“dédalo del deseo”
de gloria bosch



































a proposta é silenciada em palavras em que cada sentido não faz sentido já ou todo o sentido faz

proponho_te então o tocar sem falar sem cheirar sem ouvir sem cheirar sem gostar como se de uma ressurreição se tratasse porque é disso mesmo que se fala

proponho_te assim um amanhã em que não seremos nem faremos nem falaremos com sentido já. porque a hora é esta agora ou nem será. estarás assim nos meus braços e os meus braços sem te abraçar. nem desenharemos um sentir completo inteiro e despido de respirar. um amanhã que nem haverá. iremos então pintar a tela do querer querer tanto tanto faz que basta nem tocar






















venha a morte assim plena em mim a quem me entrego de corpo inteiro e alma cheia porque se faz tarde e eu quero chegar
fotos de anna plewka
e only time em enya
.

16.8.08

e as janelas dos infernos nas palmas das mãos








até parece que tenho as portas do céu debaixo das plantas dos meus pés
























Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que
uma expectadora de mim mesma.
Eu tenho que ter o melhor espectáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas,
invento palco, cenário para viver o meu sonho entre
luzes brandas
e músicas invisíveis.











do livro do desassossego
de fernando pessoa











































e quando deixar de sonhar posso morrer em paz. assim tranquilamente só no meu leito de princesa. encantada com o mundo que não corri nem com os países que não conheci nem com aquele que não veio ter comigo e desencantada com a vida e com o que ela me poderia oferecer.


serei enfim tranquila neste desassossego que me atropela e a quem de braços abertos recebo e me entrego.


bem vindo esse dia em que enfim a morte me abraça. me safa destes dias. me leva com ela como se eu fosse a sua mais recente namorada. enfim acompanhada. enfim sossegada.


até parece que tenho as portas do céu debaixo das plantas dos pés.





















e as janelas dos infernos nas palmas das mãos



















escrito com a imitação da vida
de maria bethânia



fotos de graig parker

10.8.08

e a cada passo é como que mais um traço que não apago

e a cada passo é como que mais um traço que não apago











se olhar ao alto bem alto lá em cima onde ninguém quase nunca consegue olhar vejo_me sempre lá. contigo ao lado.











Um poema exemplar: em linhas como:
«Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e existem praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes»








um poema exemplar
de sophia de mello breyner










agora que aqui cheguei é hora de não querer sair nunca mais uma única vez que seja porque é assim que me sinto tão bem em paz. perto do céu que me serve de tecto e não longe do mar onde acento os pés para ficar.

é de verdade a procura que encontro de cada vez que por aqui passo. saber que me és quando não estás.

e em cada degrau que me toca os dedos é o querer tanto estar. assim quieta no sossego de entre duas paredes que me amparam. as pernas essas cruzadas servem de porta que se fecha porque nada mais há para esperar. olha_se para a frente ou ao alto mas nunca nunca outra vez para trás. o que ficou que reste. e se nada resta resta sempre o nada restar.

e assim a cada passo é como que mais um traço que não apago.

se olhar ao alto bem alto lá em cima onde ninguém quase nunca consegue olhar vejo_me sempre lá. contigo ao lado.
























fotos de b. berenika
e escrito cá em baixo sem ninguém ao lado

2.8.08

"Vem comigo!"

"Vem comigo!"























" e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia,que é aquele que acaba por nunca chegar, e então as palavras caiem no vazio, como se nunca tivessem sido pensadas."



































Lembro-me agora que tenho de marcar um encontro contigo,
num sítio em que ambos nos possamos falar, de facto,
sem que nenhuma das ocorrências da vida
venha interferir no que temos para nos dizer.
Muitas vezes me lembrei de que esse sítio podia ser, até,
um lugar sem nada de especial,
como um canto de café,
em frente de um espelho que poderia servir de pretexto para reflectir a alma,
a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que disfarce o que,afinal,
não conseguimos dizer.
É que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem á comunicação mais exacta de dois seres,
a não ser que nos fale,de súbito, o sentido da despedida,
e que cada um de nós leve, consigo, o outro,
deixando atrás de si o próprio ser,
como se uma troca de almas fosse possível neste mundo.
Então, é natural que voltes atrás e me peças:"Vem comigo!",
e devo dizer-te que muitas vezes pensei em fazer isso mesmo,
mas era tarde,isto é, a porta tinha-se fechado até outro dia,
que é aquele que acaba por nunca chegar,
e então as palavras caiem no vazio,
como se nunca tivessem sido pensadas.
No entanto, ao escrever-te para marcar um encontro contigo,
sei que é irremediável o que temos para dizer um ao outro:
a confissão mais exacta,
que é também a mais absurda, de um sentimento;
e,por trás disso, de que o mundo há-de ser outro no dia seguinte,
como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores do céu,do mar,da terra,
e do próprio dia em que nos vamos encontrar,
que há-de ser um dia azul,de verão,
em que o vento poderá soprar do norte,
como se fosse daí que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo das pétalas,
o vermelho do sol e o branco dos muros.















carta (esboço)
nuno júdice






























































o que me fascina na escrita é precisamente a magia de se conseguir dizer tudo o que se quer manter secreto.


nunca uma presença me foi tão desejada como a tua. quero acreditar que um dia ainda vais marcar encontro comigo ali onde ninguém nos ouça . possa eu então dizer_te o que nunca ainda te disse nem tu esperas ouvir de mim. será surda a minha conversa assim como o é o gesto em que me lanço sempre que te imagino por entre as minhas mãos. gasto_me nos dedos por cada vez que os passo no teu pescoço como que querendo dar_lhe a volta inteira e puxar_te para mim.


é assim que me imagino quando te encontrar. à espera num canto sentada à mesa de um café qualquer sem hora marcada para chegar. a chávena de café já vazia e eu despida de tanto cansaço. a olhar descaradamente um relógio de corda pendurado na parede mesmo à minha frente e que tento adiantar para te ouvir chegar.


vai ser assim ao final da tarde numa tarde de verão atrasado no final do dia que tarda. para que possamos juntos respirar finalmente o crepúsculo tão esperado. vou aguardar por ti na espectativa da tal fantástica vinda que me moi o juízo há tanto tempo sem parar. e se não vieres vou voltar lá. vou ir para esperar até cair de cansaço até não me restar qualquer sombra de força que me faça levantar e voltar.



é assim sempre o gesto igual quando te imagino que me vais chegar.

















gastam_se_me os dedos sempre que os passo no teu pescoço que ainda não senti e a quem quero dar a volta toda completa quando te puxar para mim.









com o espírito da paz
contigo e os madredeus





fotos de tommy p.
e katia chausheva