27.5.08

attendre sans espérer







attendre



















sans
espérer



"attendre sans espérer



poderia ser a minha divisa



a divisa do meu tédio



que ainda se dá ao prazer de fazer frases"










nas horas que se desagregam



que desfio entre os meus dedos parados










sou a que sabe sempre que horas são



que dia é



o que faz hoje






amanhã



depois















não sinto deslizar o tempo através de mim



sou eu que deslizo através dele






e sinto-me passar com a consciência nítida dos minutos que passam



e dos que se vão seguir






f.espanca







nestas questões de amor como em muitas outras preciso de tempo



muito tempo



acho que acabam por se cansar de mim



pelo tempo de espera





quando digo amo-te e muitas raras vezes o faço pareço-me outra que não eu

a palavra amo-te perdeu todo o sentido com sentido



está gasta



é usada por tudo
ou nada



em sua substituição há sempre o adoro-te


mas desencontro-me aí da idéia original a que uma paixão me poderá conduzir



verbalizar o amor




guardo o amo-te religiosamente para algum momento único que me esteja destinado


agarro-me perdidamente ao gosto de ti




é mais suave



fácil de pronunciar e soa bem






o adorar é meigo


soa a eterno


é divino



mas porque adoração implica um deus e eu sei que os deuses não existem






continuo sossegada porque não precisarei de a dizer


tem horas que me sinto um pouco perdida pelo vazio



o tempo é rápido



e intemporal



nesta minha forma de amar



apaixono-me e desapaixono-me com facilidade

guardo religiosamente o amo-te



como se de um ritual se tratasse


talvez num tempo ainda sem hora marcada eu diga




mas tarda em acontecer




e escurece-me o coração por não ser já



o amor escorrega-me pelos dedos das mãos como quem foge de mim



e eu dele
attendre
sans
espérer
.

24.5.08

dies irae









dies irae
































semper fidelis
nulla pacis
vale dicere
dies irae


in desertum
conta mundum

lumine solis
splendor mentis
bellum clamare
dies irae


solvet saeclum
contra mundum



rodrigo leão














contra mundum












sem intenção
de me tentar resolver
continuo na intranquilidade que me persegue constantemente
e que tento apagar sem ser de vez

a inquietude perturba_me
no entanto é nela que me sinto calma




e é neste silêncio ouvido que me perco cada vez mais


























lacrimosa




lacrimosa dies illa





lacrimosa


dia de lágrimas aquele
.
.
.

18.5.08

é o que há em mim é um enormíssimo cansaço de mim







um enormíssimo íssimo cansaço













o que há em mim
é sobretudo cansaço
não disto nem daquilo
nem sequer de tudo ou de nada
cansaço
assim mesmo
ele mesmo
cansaço


a subtileza das sensações inúteis
as paixões violentas por coisa nenhuma
aos amores intensos por um suposto alguém
essas coisas todas essas e o que faz falta nelas
eternamente tudo isso faz um cansaço
este cansaço
cansaço


há sem dúvida quem ame o infinito
há sem dúvida quem deseje o impossível
há sem dúvida quem não queira nada

três tipos de idealistas
e eu nenhum deles
porque eu amo infinitamente o finito
porque eu desejo impossívelmente o possível
porque eu quero tudo ou um pouco mais se puder ser
ou até se não puder ser...
e o resultado?



para eles a vida vivida ou sonhada
para eles o sonho sonhado ou vivido
para eles a média entre tudo e nada isto é isto...
para mim só um grande um profundo
e ah com que felicidade infecundo cansaço
um supremíssimo cansaço
íssimo íssimo íssimo
cansaço...






álvaro de campos







.





cansaço



























de mim





é.

o que há em mim

é um enormíssimo cansaço
de mim




17.5.08

pudesse eu comer chocolates

tu que consolas









































pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

mas eu penso e ao tirar o papel de prata que é de folha de estanho
deito tudo para o chão como tenho deitado a vida


mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
a caligrafia rápida destes versos
pórtico partido para o impossível
mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas
nobre ao menos no gesto largo com que atiro
a roupa suja que sou em rol para o decurso das coisas
e fico em casa sem camisa




tu que consolas que não existes e por isso consolas














da tabacaria de fernando pessoa




















































erras quando pensas que não penso



em ti









erras quando dizes



que só não digo



desdigo



mentira






erras quando julgas que te julgo



nunca






erras quando em erro me conduzes



a errar



em tudo









erra!



mas não erres muito






comigo









nunca
.

11.5.08

acima de tudo

resta acima de tudo




essa vontade de chorar























resta acima de tudo esta vontade de chorar diante da beleza



essa contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje

resta essa faculdade incoercível de sonhar
de transfigurar a realidade dentro dessa incapacidade
de aceitá-la tal como é
e essa impressionante e desnecessária paciência
e essa memória anterior de mundos inexistentes
e esse heroísmo estático
e essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas tomam de esperança





edu lobo





























resta_me este querer ir
este estar sem permanecer
o ficar
e querer sair
o não dizer
o continuar calada
com vontade de escrever
o encontrar
sem hora marcada
o desencontrar
na hora acertada
o falar
sem nada dizer
o deixar passar
e ficar na mesma
o querer voar
sem abrir a asa
sequer
o contar a verdade
quando apetece desdizer
o ficar trancada
entre quatro paredes
o viajar na mesma
sem apetecer
esta tristeza
a rir sem se ver
o revelar vontade
sem nada acontecer

resta acima de tudo nada
o nada a dizer







acima de tudo
.

8.5.08

ainda não

ainda não






não

















ainda













eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
no entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz
não te quero ter
porque em meu ser tudo estaria terminado
quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado
eu deixarei...tu irás e encostarás a tua face em outra face
teus dedos enlaçarão outros dedos
mas tu não saberás que quem te colheu fui eu
porque eu fui o grande íntimo da noite
porque eu encostei a minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa
porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
e eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado
eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos
mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir
e todas as lamentações do mar do vento do céu das aves das estrelas
serão a tua voz presente a tua voz ausente a tua voz serenizada



ausência de vinicíus de moraes




















não quero morrer sem saber que comigo vives

ainda não

quero ficar_me quieta entrelaçando gestos







a maior solidão é ter que te dizer não





















ainda



.











1.5.08

só desejo

só desejo










só desejo
o eterno desejo
































e por que haverias de querer a minha alma

na tua cama?

disse palavras líquidas deleitosas ásperas

obscenas porque era assim que gostávamos

mas não senti gozo prazer lascívia

nem omiti que a alma está além

buscando aquele outro






e te repito: por que haverias

de querer minha alma na tua cama?

jubila_me da memória de coitos e de acertos

ou tenta_me de novo obriga_me.




obriga_me


hilda hilst


























e porque deveria eu de querer encontrar_te no branco da minha cama com tanto branco que há por aí?


por ventura seria fantástico um encontro onde em nuvens de cinza me pudesse deitar no teu colo.

mas não há branco nem cinza nem ventura


só os eternos









































































só desejo




de ti
.