27.9.12

peguei no meu coração
e pu-lo na minha mão
 
olhei-o como quem olha
grãos de areia ou uma folha
 
olhei-o pávido e absorto
como quem sabe estar morto
 
com a alma só comovida
do sonho e pouco da vida
 

fernando pessoa in livro do desassocego





parece que tenho uma certa doença que até nem dor tem  só aquela que os outros me dizem que devo ter. esta doença a que chamo de cansaço poderá ter a ver com sintomas de ainda continuar viva e não adormecida. mas no meu coração que ainda respira continua-me a inquietude de pegar na folha de papel para carimbar a alma. a tinta ainda me escorre.

há tinta.
há palavras.
há que amar.
há que continuar viva.

 
foto francesca woodman

13.7.12

"era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo. o meu amigo já se foi embora...é tão triste esquecermo-nos de um amigo. e nem toda a gente teve um amigo na vida. também foi por isso que comprei uma caixa de aguarelas e outra de lápis de cor."



o principezinho, antoine de saint-exupéry



há muito tempo que não sujo as mãos com os chamados materiais das belas artes. tenho-me limitado a letras desconstruindo palavras. as caixas de tintas mantêm-se seladas há anos. os acrílicos embebedaram-se em água e os óleos colaram-se ao metal das embalagens corroendo as cores.  escusado será dizer que as referidas caixas de cartão a serem utilizadas para resguardar estes bens preciosos estão na última prateleira do armário mais alto da cozinha onde tenho de me empoleirar quando preciso de retirar algum. mas pronto como agora a coisa anda pacífica neste campo não me preocupa demasiado.a cor das belas artes sumiram-se dando lugar aos neutros, pretos, brancos, cinzas. desconstruindo a cor conseguia manter-me acesa como que se cada pigmento que levasse à boca fosse suficiente para me manter viva durante algum tempo. agora a tinta e a cor não me chegam. o que me está a dar cabo da cabeça mas mesmo o que me está a dar cabo da cabeça é não conseguir por no papel o que me vai na alma e no coração. por outras palavras: bloqueei. a cor das belas artes sumiram-se dando lugar aos neutros, pretos, brancos, cinzas. desconstruindo a cor conseguia manter-me acesa como se cada pigmento que levasse à boca fosse suficiente para me manter viva durante algum tempo. agora a tinta e a cor não me chegam. resta-me a escrita. esta escrita que não me sai. tanta que tenho dentro de mim e não consigo deitar fora. nem dizer nada nem contar nada a ninguém. ainda não sou capaz de falar pelo que passei. há muito tempo que não sujo as mãos com os materiais das belas artes. tenho-me limitado a letras desconstruindo palavras.

21.6.12

ontem estava a perder a vontade de tudo. e quando digo tudo é mesmo tudo. perder a vontade de mim desistir-me rebentar-me estoirar-me com o que me resta. ainda. me resta. que não sei o que é quanto é como é o que será demorará ou irá tardar será rápido ou devagar. tanto se me faz.  o cansaço esse já faz parte. ou parte do cansaço parte. e parte-se-me o sono que tardou em chegar. fecho os olhos e deixo tudo para trás. nada quero nada me interessa. apago tudo o que há antes deste sono. a minha cabeça ficou limpa de tanto tempo de sono de tanta sombra de tanta escrita maldita de tanta letra mal lida palavra não dita e tanto desamor bendito. apago-me. que bom.


 

"se um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma apoteose do sono. Não sei de prazer maior, em toda a minha vida, que poder dormir. O apagamento integral da vida e da alma, o afastamento completo de tudo quanto é seres e gente, a noite sem memória nem ilusão, o não ter passado nem futuro"


in livro de desassossego

16.6.12



http://www.youtube.com/watch?v=5q1BvSZNbUg&feature=related




perdi-te o rasto e com ele alguma esperança de vida se foi. quando falo agora em esperança de vida não é em anos que me restam mas num suposto tempo que poderia eventualmente passá-lo contigo. só um senão: tu não o sabes. nunca to disse.são coisas que me passam pela cabeça há medida que o tempo passa entre nós e que cada vez é mais amargo porque me estás longe. e tão perto na minha escrita diária. ás vezes imagino-te aqui ao meu lado nas conversas que comigo. confesso que tenho ssudades delas. como também do jardim onde nos sentávamos a olhar sem nada nos interessar do que se passava de lá para fora. éramos só nós. assim. sós.

desde que nascemos até que morremos mudamos de ala lentamente, como de corpo. arranja meio de tornar rápida essa mudança, como com certas doenças, ou certas convalescenças, rapidamente o corpo se nos muda.

ín livro do desassossego

13.6.12

Björk - Triumph Of A Heart (Official Music Video)




"durante este sofrimento não encontrei o amor". apenas e somente uma alegria imensa de  permanecer viva e poder partilhar isso com os outros.


maria callas