9.2.11

o seguinte texto não é uma carta











o seguinte texto não é uma carta. também não é um desabafo. e eu sei lá o que é. chamem-lhe o que quiserem. o que é ao certo não sei. e eu lá quero saber do que é. trata-se apenas de um pequeno texto. um texto tão pequeno que nem serve para encher página . serve apenas para se ler e mais nada. também iria servir para mais o quê? para ser uma carta teria que ter um endereço uma morada ou alguém a quem a enviar. mas vamos supor que até existe alguém. alguém que sem o ser no entanto é e foi antes de mais alguém de quem gostei. não muito admito mas foi e ainda se calhar talvez o seja. imaginária? não. quem é que consegue escrever um texto assim para alguém que não foi não é ou nunca será? eu não. mas esse alguém teria de me dar um motivo para lhe escrever. carta ou não desabafo talvez não sei apesar de não gostar de conversar. admito que gosto mesmo é de desconversar. para que serve falar? a maior parte das conversas que tenho não passam de monologar. então para que serve uma carta desabafo ou coisa parecida e tal? mas vou pensar que te falo. dá-me então um motivo para te escrever uma carta te dar um desabafo ou coisa parecida e tal. eu sei do que se trata. trata-se de se gostar. e porque deveria eu escrever-te uma palavra que fosse se tu de mim não queres saber nada? dá-me só então um motivo por muito pequeno que seja para te dirigir palavra. se sabes onde me podes encontrar, se sabes que se calhar até posso esperar, dá-me razões para te escrever essa carta desabafo ou coisa parecida a tal. mas que te interessa isso a ti? se de mim não queres nada? nada. para mim é motivo para não deixar de pensar: “será que adiantava escrever-lhe uma carta dar-te um desabafo ou coisa parecida a tal?”. mas como escrever se nunca tive jeito para palavras? é verdade nunca soube como dizer quanto se gostava como se gostava ou se na verdade gostava. sei que tinha vontade de te abraçar, para não dizer por outras palavras outras coisas que gostava e que tinha muita vontade de te escrever numa carta te dar num desabafo ou coisa parecida a tal. poderia muito bem ser já agora e dar-te o tal abraço. mas como tu não estás tenho de me ficar pela vontade. aliás muita coisa na minha vida ficou assim dessa maneira só pela vontade sem palavra sem nada. foi aqui que me lembrei de escrever uma carta um desabafo ou qualquer coisa parecida a tal. para quem? como para quem se não há ninguém para tal? se houvesse nunca iria escrever uma carta dirigir um desabafo ou outra coisa qualquer dentro do género e tal. se houvesse alguém bastava um abraço. e depois dizer o quê e a quem numa carta desabafo ou coisa parecida a tal? que escrever lá?


“Querida amiga, então que tal? Que tens feito desde o verão para cá? E então esse natal? Como o tempo se passa. Deste que muito te quer dar um abraço.”


reduzida a um parágrafo nem deu para encher metade da página. pensei: “para escrever isto é melhor ficar calado!”. há uma certeza que tenho, depois destas interrogações todas. tenho vontade de um dia não sei quando te ter outra vez ao meu lado como no verão passado, sabes? esta vontade esconde-se não se fala para se evitar risadas. e depois penso: “mas risadas de quem? das minhas próprias gargalhadas?” é quando quase nada nos corre bem que se pensa então correr a palavra numa carta para conseguir dar meia volta por cima e evitar cair. para evitar uma queda maior brinda-se aos encontros, às aventuras, aos amores e até à saúde da vizinha que até parece ser boa pessoa. bebe-se uma cerveja claro combina-se com os amigos uma viagem até ao norte para assistir a outras touradas passeia-se até ao centro porque no alentejo também há garraiadas e destina-se o sul para as espanholas porque as de cá não sabem brincar. toda a vida tem sido uma corrida, de lá para cá de cá para lá. e tu por aí e eu por cá. e se um dia chegasses a ler isto devias pensar: “Grande maluco! Este rapaz deixa muito a desejar”. é precisamente aí que o toque na ferida se faz sem se esperar. é um desejo que não passa apesar do tempo passar. mas a vida é precisamente isso. criam-se metas para nunca as alcançar porque adianta-se o passo mas às vezes é preciso voltar atrás olhar parar e ali ficar à espera. mas espera não vás já. olha lá então como tens passado? e assim termino esta tão mal falada carta ou desabafo ou coisa parecida a tal ou lá o que lhe quiserem chamar.



afinal é um género de carta num pseudo desabafo dentro do género a tal.


prometo telefonar-te.

3 comentários:

Luis Eme disse...

tantas voltas, para trás e para a frente das palavras... e afinal tens jeito para lidar com elas, estão aí centenas de cartas e abraços...

és uma diferente, Ivone.

Moon_T disse...

há coisas que merecem não ser escritas...

ou

há coisas que nao merecem ser escritas...

mfc disse...

E as palavras sucedem-se como pensamentos que não controlamos...
um texto que se quer ler para saber quem está do lado de lá a confidenciar-nos o que lhe vai na alma.
Beijos.