15.10.07

uma questão abstracta

























estive a ler escritos antigos. os meus. o que me levou a pensar: porquê escrever tanto sobre o amor? nestes últimos meses intercalo-me com outras letras. mas não sei porquê tenho-me debruçado mais sobre este assunto. acho que tem a ver com as minhas opções de vida. as novas claro. os meus mais recentes projectos. será?...

nas suas mais variadas formas de expressão o amor conduz-me a tudo. sempre. no que faço. no que digo. no que penso. talvez por não o conseguir concentrar num só nem o agarrar num todo disperso-o.

logo que acordo não dispenso o café. sou dependente de cafeína. aqueço a água e coloco na chávena duas colheres de café e duas de açúcar. este ritual dos pares faz-me pensar...

após o tomar segue-se o primeiro cigarro do dia. é de manhã que as primeiras fumaças me transportam para outras formas de estar. assim ganho coragem para " o primeiro dia do resto da minha vida". fico a olhar o fumo de janela aberta. aquele movimento ondular acinzentado transparente conduz-me a algures num tempo sempre desacompanhada. que sorte por estar assim quieta no meu mais íntimo permanecer. estática. colada ao chão da casa que vou deixar.

abriu-se outra porta. outra etapa de mim. sem olhar atrás porque hoje tenho um projecto de vida. um dia uma amiga aqui em casa perguntou-me se eu tinha projectos de vida. ao qual eu respondi calada. aquilo fez-me pensar. não tinha projecto nenhum. desorientada conseguia encaminhar-me de pé no que na altura fez de mim um labirinto ainda maior do que aquele que sempre tinha tido até essa data.

hoje tenho não um mas vários projectos. de vida claro. e é nessa diversidade que me encontro mais madura mais segura mais senhora de mim. sei o que quero. como quero. quando quero. e com quem quero.

faz talvez dez ou onze anos que me separei. não sei a data ao certo nem quero saber. não me é importante. mantenho como ponto de referência os anos do pedro. fechou-se aí uma fase de mim. cor de rosa no ínicio. no fim bem magenta. lembro-me de uma coisa que a minha avó me disse enquanto na fase de enamoramento. " filha no amor há várias fases. a primeira no namoro é a fase das palavrinhas. a segunda no casamento a fase das palavras. a terceira no divórcio a fase dos palavrões. mas a pior de todas é a última. a fase do palavreado." ainda hoje em dia repito isto com uma boa gargalhada no fim tal como na altura em que a ouvi pela primeira vez.

mas confesso uma coisa. só aos meus piores inimigos desejo a fase do palavreado. é um jogo de malvadez quase demoníaco que nos vai destruindo aos poucos a capacidade de lucidez e de sossego.considero-me por natureza uma pessoa sossegada apesar de alguns desvarios de vez em quando. que falta me fazem! lúcida também. apesar das constantes loucuras que por vezes atravesso. e sabem-me a pouco. mas quando alguém nos finalmentes de uma separação seja ela qual for deita tudo a perder porque já nada tem a ganhar fica como que possuída por falta dessas duas capacidades. e novamente o par. uma dupla de respeito esta. dá que pensar...é aí que tenho de me valer de todos os exorcismos possíveis e imaginários para me livrar dos demónios que me querem alvoraçar. foi o que fiz. bati a porta e nem olhei segunda vez para trás.

eu gosto da loucura. como dizia régio "eu tenho a minha loucura!" os loucos sempre me seduziram. talvez pela criatividade com que conseguem dar a volta às horas comuns do dia
transformando-as em momentos memoráveis.

tenho de comprar um casacão de inverno com quadrados grandes a preto e branco. como aquele do "voando sobre um ninho de cucos". ou então treinar mais o permanecer em silêncio como o índio faz. ou refugiar-me numa casa fazendo-me passar por maluca porque os doidos andam todos lá fora à solta. assim consigo evitar o aprisionamento de alguns momentos que me condicionam no meu bem estar diário tornando-os também memoráveis.

como o de hoje com os meus alunos. tentar falar sobre o conceito de abstraccionismo perante uma plateia que está mais interessada em criticar o padrão das minhas calças com pseudo bolas acinzentadas num fundo neutro de preto quase tapadas na totalidade por uma túnica branca. que fazer para fugir desta condição de alvo de olhares e atenções e tentar conseguir que a mensagem de abstracto chegue limpa e audível à fonte a que é destinada? senti que ali o abstracto era eu...e mandei arrumar.

o amor também é uma coisa abstracta. não se vê. não se toca. não se cheira. não se prova. sente-se apenas.

para mim pode ser uma palavra. dita. escrita. pensada. sentida. um olhar. o respirar. ou apenas o gosto de uma boca. para outros tudo isto limitar-se-á ao abstracto.

acho que os meus alunos têm razão. aqui o abstraccionismo parte de mim. basta começar a pensar nas minhas calças. e isto dá que pensar.

agora façam as interpretações que desejarem...e parem de pensar.

14 comentários:

Anónimo disse...

Desculpa a ousadia, mas não quis passar por aqui em silêncio. Este teu texto é tão lindo que me transportou para um espaço abstracto que visitou todos os dias. Até porque, na verdade, o nosso abstracto é uma parte de nós, muitas vezes a melhor parte de nós.
Obrigada por estas palavras vou continuar a procurar outras neste teu espaço
Carla

Gi disse...

Ivone

Tocas as palavras ao de leve e mesmo assim arrancas-lhes profundidade. Gostei de te ler . "Abstraí-me" do resto.


Um beijo

Real GirL disse...

Beeeeem! Partilho o cigarro matinal contigo, mas eu é mais a vê-lo entre mim e o vidro do carro, enquanto conduzo.
Adorei ler-te e quase nem me sinto à altura de comentar. Falas de muito alto, do alto das loucuras e de muita vida que já tens e ainda terás!

Bj

Vitor disse...

Lindo texto, a vida é mesmo assim ângulos variados, obtusos, redondos, agudos, suaves...

Tive a sorte de na segunda parte da minha vida virar para um ângulo suave... e completo-me com esse ângulo...

Amaral disse...

Já me visitaste uma vez ou outra e, desde então, tenho vindo a este "silêncio de paixão", quase todos os dias...
Hoje fixei-me aqui. Não porque seja um tema polémico, mas porque o teu próprio silêncio puxou-me e não me deixa sair daqui sem umas palavras.
Que nem sei quais vão ser. Parece-me que nada tenho pra dizer. Apenas me "aconchego" no teu silêncio e deixo-me ficar.
Não sou dependente do café nem do cigarro. Nem tenho tantos projectos de vida como dizes ter...
Mas depois de dez, onze anos de separação, ainda lembras todas essas coisas interessantes, que fazem dar uma boa gargalhada...
Será que gostei da tua loucura, porque também participei numa?!...
Se fosse teu aluno, acho que ficaria cismando sobre as tais bolinhas acinzentadas das calças. Porquê pseudo? Fará o pseudo também parte do abstraccionismo?...
E o amor?... Transcendendo o domínio físico da realidade é coisa abstracta. Claro, não é dos sentidos, como posso vê-lo ou tocá-lo???... E poderá ser apenas uma palavra? Mas a palavra não é também um instrumento poderoso da Criação?
Amor!!!...
Que sentimento poderia haver de mais curioso que nos fizesse aqui estar horas, dias, anos a analisá-lo, a discuti-lo?...
Como dizes, a terminar, "vou parar de pensar"!...

alexandrecastro disse...

um texto maravilhoso. lúcido q.b. e envolvente nas palavras!
beijinho

ivone disse...

carla
ouse sempre por aqui. eu agradeço!

gi
o profundo encontra-se precisamente na insustentável leveza das letras...
bj

real girl
o partilhar contigo um cigarro matinal...porque não? talvez sim...
quase nem te sentes à altura de comentar!? que é isso? fui espreitar-te...e escreves tão bem ou melhor que eu.
o "meu alto" deve-se à experiência de vida que transporto comigo todos os dias. provávelmente as tuas experiências serão outras que não as minhas. também tens o "teu alto!"
bjs

vsuzano
nunca gostei de ângulos...nem de paralelas. e nem de perpendiculares. talvez as concorrentes porque se cruzam...se encontram algures num tempo e num espaço.

amaral
as suas palavras tocaram-me bem fundo.
registou bem fundo as minhas letras.
acho que nunca recebi um comentário tão abrangente e sentido. as minhas palavras também são o meu "aconchego". partilho com elas tudo o que me vai na alma nestes últimos tempos e noutros mais longíquos. e é aqui que decido ou não torná-las públicas. talvez para a respostas que me dão me servirem também de aconchego. e já são dois. novamente os pares. mas não vou pensar nisso agora.
bj

alexandre
ás vezes preferia ultrapassar a minha lucidez e transformá-la em desvarios.
bj

_E se eu fosse puta...Tu lias?_ disse...

O coração (amor) é abstracto e delicado como nessa imagem linda.

Educar/ensinar também...e envolve tantas razões como sensações;)

E assim é que a vida ganha cor, e loucura...

"eu gosto da loucura. como dizia régio "eu tenho a minha loucura!" os loucos sempre me seduziram"

eu também...com ou sem casaco aos quadrados ou com ou sem calças abstractas;)

**************gostei mt de ler

Vitor disse...

Aqueles desenhos lá no meu blog são desta página, o autor permite o seu uso para fins não comerciais...
Tem alguns muito giros...aqui vai a link :
http://xkcd.com/

diverte-te

RV disse...

O Amor, essa ideia ou força sublime que surge ao Homem como quase uma reminiscência, fazendo-o intuir que algures, existe uma paz eterna e que o impele a concretizar esse mesmo ideal.

Mas no meio, entre o mundo meramente platónico e este, onde rolam as esferas, encontra-se a mente do homem, possuída pelas emoções que buscam desenfreadamente as paixões. Desta forma, a razão, a mesma que nos prende nos seus raciocínios circulares, projecta-nos bem na frente da tela do nosso consciente a seguinte questão: Amas? Ou necessitas de algo para preencher um vazio que se esconde atrás das cortinas da tua vida?

Não nos conhecemos o suficiente para responder a esta questão, pois se nos conhecessemos não procuraríamos o amor noutros. Os sábios dizem-nos que o amor está em nós mesmos e parte de nós para os outros, qual força unificadora.

Existe um livro que aconselho a ler, é bem pequeno, pode-se ler em poucas horas. A história fala acerca de um cavaleiro que ao longo de um percurso iniciático descobre em si o verdadeiro sentido da vida.

O titulo do livro é: “O cavaleiro da armadura enferrujada” o Autor: Robert Fisher.

Foi um prazer ler o seu texto.

Anónimo disse...

Talvez porque o amor se confunda mt com a essencia de vivermos em harmonia com o próximo

jinhuz crónicos

maria josé quintela disse...

o amor é sempre um argumento novo.

ivone disse...

tu lias?
a imagem que diz ser linda é uma pintura de miró um dos meus pintores favoritos.
educar não é sinónimo de ensinar daí discordar da sua barra. mas concordo que ambas envolvem sensações. e o que será que não envolve?
já temos algo em comum: ambas gostamos da "loucura".
bjs


vsuzano
que pena os desenhos não serem seus. pensei que também desenhasse...ou não?


RV
concordo em absoluto com os sábios quando dizem que o amor está em nós. só assim o poderemos distribuir aos outros. há que gostar primeiro de mim. só depois conseguirei gostar do outro. mas gostar é diferente de amar. assim como adorar.

num anterior post "a palavra amo-te sem ser na primeira pessoa" reflecti sobre isso. se o ler talvez consíga responder-lhe a esta questão.

uma falha minha. ainda não me debrucei sobre o platónico. o amor claro. talvez num texto a curto prazo o faça derivado ao assunto me seduzir demasiado e me preencher bastante.

"Não nos conhecemos o suficiente para responder a esta questão". quanto a isto só posso responder com as palavras de florbela espanca que fazem parte do meu post anterior a este: "Não tenho nenhum instinto especial ao escrever estas linhas, não viso nenhum objectivo, não tenho em vista nenhum fim.Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo – uma alma – se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que eu fui ou o que julguei ser.E realize o que eu não pude: conhecer-me."

e porque os meus medos são tantos talvez um dia consiga partir por aí sem me perder...para depois me encontrar.
bom fim de semana para si

ps: já pesquisei um pouco sobre Robert Fisher. vou pensar no seu conselho e tentar encontrar "O cavaleiro da armadura enferrujada”.


crónica
para viver em harmonia com o próximo primeiro tenho de conseguir viver em harmonia comigo. e não imagina a luta que travo.
bjs


maria josé
o amor é sempre novo quando acontece.

O Profeta disse...

Há sempre quem fica
Quando o sol adormece
A noite renova a paixão o feitiço
Que o coração não esquece


Bom fim de semana


Doce beijo