13.3.08

hoje bati com a porta

hoje bati com a porta senhor presidente do conselho executivo.
mas só por hoje. amanhã sou a primeira a entrar.

mais um dia de escola. levantei_me já sem vontade nem energia suficiente para dar aulas. pensei mas hoje tenho a feira das ciências e até já reservei os meus cactos. após três bicas enchi_me de coragem e saí.

a recepção não poderia ter sido a melhor. tinha à minha espera o presidente do conselho executivo a coordenadora do departamento de línguas e duas colegas de grupo.
fui chamada ao gabinete. "repreendida" por ter pensado alto. por um comentário que fiz ontem na reunião de grupo.

o clima geral é de um ar pesado que se respira. a ivone até já nem põe o capacete.
para quem não sabe o capacete da ivone é um capacete romano feito de metade de uma bola de futebol e pintado de castanho que foi usado num teatro e depois ficou abandonado na sala de e.v.t. recuperei_o usando_o durante a reunião de departamento de educação artística quando da eleição do cargo para delegada de educação visual e tecnológica. fui eleita por maiora quase absoluta. ainda hoje não entendo no que é que os meus colegas todos estavam a pensar quando votaram numa professora de capacete romano na cabeça.

o dia hoje começou mal. mas piorou ainda mais. no último bloco da tarde o sexto H. vinte alunos que ao final do dia querem tudo menos ouvir falar em avaliação. muito menos a auto. mas eu tinha programado ou melhor planificado essa avaliação para hoje. e temos de chamar as coisas pelos nomes. vá lá saber_se se também alguém aqui me vai avaliar.

ficha nova? sotora o que é uma unidade de trabalho? após quinze minutos de esclarecimentos a dúvidas as dúvidas mantinham_se. nem voltei a tentar. porquê? básico. não ouviram nada do que eu disse. aquelas cabecinhas pensam em tudo menos no que se está a tentar explicar.

para quem não sabe e.v.t lecciona_se em par pedagógico. isto é são dois professores na aula. complicado não é? formações diferentes personalidades diferentes e às vezes muito ou quase nada em comum. é como um casamento. só de escrever a palavra fico mal disposta. a mais difícil para mim é a fase de adaptação. longa e por vezes dolorosa. depois habituo_me.

mas como estava a dizer o estarem dois professores na mesma sala justamente implicaria tarefas comuns e divisão de trabalho.mas não.no meu caso não se passa assim.

na hora de almoço apeteceu_me pegar na pasta e ala que se faz tarde vou_me embora para casa. resisti. aguentei. avisei a turma que tinha de haver silêncio para se conseguir trabalhar. ao qual minimamente cumpriram tirando o caso do nino que continua no fundo da sala à conversa com o humberto e que até de vez em quando trocam mensagens no telemóvel ou o daniel que não pára de comentar a desgraça que foi a derrota do benfica ou da diana que teima em manter a sua pochete a preto e branco em cima da mesa de trabalho comentando com a carina o que a sotora hoje traz vestido ou o pedro morgado que teima em continuar a fazer pontaria aos colegas com a sua invencível esferográfica bic transparente e a ana pires que de cinco em cinco minutos pede para ir à casa de banho e que até tem autorização médica ainda não percebi bem porquê.

vou_me lá eu preocupar com quarenta e cinco minutos de falta minha quando quem está em falta não sou eu mas sim os vinte alunos do sexto H que tenho no último bloco da tarde de quinta feira mais a colega presente que está ausente?

e tentei. juro que tentei várias vezes . pelo que há de mais sagrado seja lá onde for eu juro que tentei. tentei manter algum interesse pelo que se tinha de fazer. mas parece que a única interessada ali era eu. tentei manter alguma disciplina e silêncio na sala de aula. por breves instantes era conseguido. tentei realizar a auto e hetero avaliação. afundada em fichas de trabalho dossiers e lápis e lapiseiras por cima da secretária.

tudo isto enquanto a colega impávida e serena consultava as planificações de todos os colegas de grupo no dossier da disciplina. tudo isto enquanto a colega se levantou e se dirigiu ao fundo da sala onde tem um armário só dela para de lá trazer um saco de cartolina em amarelo vivo daqueles onde se costumam colocar as embalagens das amêndoas da páscoa para se voltar a sentar guardando nele o cacto que tinha comprado na feira de ciências. tudo isto enquanto acomodou com muito amor e carinho o seu cacto dentro do seu saco amarelo. tudo isto enquanto permaneceu sentada de braços cruzados em silêncio na sua secretária.

cinco minutos antes das dezassete e trinta pedi desculpas aos alunos e à professora pela minha incapacidade de dar a aula. o silêncio abateu_se com toda a força na sala. o mesmo silêncio que eu pedi no início para conseguir trabalhar e que a turma até conseguiu cumprir. ninguém mas não houve ali ninguém que acreditou em mim. a não ser eu. a única que se levou a sério fui eu. a única que acreditou fui eu.

fragilizada pela impotência de conseguir permanecer peguei na pasta e na mala levantei_me e despedi_me. o daniel a diana o ruben e a carina desejaram_me bom fim de semana. ainda me falta sexta pensei. a professora que fica ali na sala é que amanhã tem dia de folga. saí da escola e já depois de ter passado o portão respirei fundo. bem fundo. por hoje chega. já tenho a minha dose.



hoje bati com a porta senhor presidente do conselho executivo.
mas só por hoje. amanhã sou a primeira a entrar.
quantas vezes mais?

16 comentários:

un dress disse...

até ires de

regresso

ao pão

à água,,,?




abraÇo ~

Carla disse...

quantas vezes nos apetece bater com a porta...que pena só às vezes o conseguirmos fazer!
Hoje é certamente um novo dia
beijinhos e bom fim de semana

Anónimo disse...

Boa noite, SENHORA professora!
Que tal o dia de aulas desta sexta-feira?
Um beijo.

mateo

Kapikua disse...

Há dias assim...

Bom fds e um grande beijo!

Bloguemate disse...

Nota 20 pela partilha e pela franqueza.

Ana disse...

Li at� ao final porque...me revi nessas palavras...acho uma certa piada quando me dizem 'mas foi voce que escolheu essa profiss�o'...bem, isto j� daria pano para mangas :)
Pela sinceridade, obrigado...pelo desabafo um abra�o!

Amaral disse...

Ao ler, de alto a baixo, senti-me ao lado, bem perto, perante os teus vinte alunos e mais a impávida colega, e mais a tua paciência e cada gesto de cada um, e cada pormenor... e como, muitas vezes, quão difícil é fazer crer aos outros aquilo que, na realidade, se passa dentro duma sala de aulas...
Li e aprendi.
Reaprendi.
Recordei.
Perguntei a mim mesmo o que faria "eu" em tais circuntâncias...

tufa tau disse...

haja paciência para não bater novamente com a porta amamhã!

Alma Nova ® disse...

E as horas duram séculos e cada instante adquire um ar pesado e sombrio. Só quem lá está e sente na pele a angústia da impotência, consegue dar o real valor ao enorme desgaste mental que isso provoca. Sei o que isso é...
Coragem, falta pouco...

Memory disse...

Há dias e dias, e dias que não são dias.....

Um bom fim de semana

Um abraço

S. disse...

Querida Ivone,

Coragem no bater da porta e coragem nesta partilha. Gostei muito e consegui sentir-me próxima do desespero que é ter que depender dos outros para fazermos bem o nosso trabalho.

Bjo*

S. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ai meu Deus disse...

não conhecia este silêncio. maravilha! maravilhas as ilustrações. maravilhas os textos, particularmente a paixão que os trata.

fiquei apaixonado. parabéns!

ivone disse...

un dress
sem regresso
não quero regressar nunca
onde não me sinto bem

mesmo sem pão
nem água
não regresso




carla
bater com a porta não é fácil
difícil às vezes é reabri_la
bj




mateo
o anónimo do nono D?
a sexta correu bem sem aulas de substituição que são mesmo uma palhaçada rs
beijinhos




kapikua
e o há dias assim teima em continuar
até quando?
bj



bloguemate
nota de vinte euros? só?
acho que mereço mais
quanto mais não seja pela frontalidade porque há colegas que não a conseguem ter nestes momentos



ana paredes mendes
mas a idéia é mesmo ler até ao fim
para quê comentar se não se leu tudo? comentar só por comentar não obrigado.adoro o que faço. gosto de dar aulas. tarefa difícil nos tempos que correm. mas que fazer? foi esta a profissão que escolhi tal como tu. e não me arrependo de nada.
bjs




amaral
e o que terias feito tu nestas circunstâncias?




tufa tau
haja coragem para continuar a bater com a porta sempre que for necessário






alma nova
foi essa angústia que me arrasou. quantas qintas feiras mais?




memory
e dias assim...




s.
eu não dependo de ninguém para fazer o meu trabalho. a questão é que só eu é que trabalho. a dependente aqui será a minha colega. e eu nessa tarde não achei justo. enchi o saco e bati com a porta.
bj




ai meu deus
por aqui respira_se paixão. sempre.

jorge esteves disse...

Por um instante lembrei-me de Santareno e a suas mulheres...
Com que barro se faz Coragem, nessas (nestas) condições?...


Abraços!

ivone disse...

tinta permanente

a coragem não se faz cria-se
como pensas que passei os primeiros quarenta e cinco minutos da aula?


aquele abraço