
devolve_me o que não te cheguei a dar e remete_me ao esquecimento
sem registo de chegada nem aviso de recepção
minha senhora deve ter
uma coisa muito urgente e capital
a dizer-me
porque me tem escrito muito
e muitas vezes
porém lamento dizer-lho
mas não percebo
a sua letra
já mostrei as suas cartas
a todas as minhas amigas
e à minha mãe
e elas também não percebem bem
não me poderia dizer
o que tem a dizer-me
em maiúsculas?
ou pedir a alguém
com uma letra mais regular
que a sua
que me escreva
por si?
como vê tenho a maior boa vontade
em lhe ser útil
mas a sua letra minha senhora
não a ajuda
não a ajuda
adília lopes
o marquês de chamilly a mariana alcoforado

nunca falei contigo sobre o que não aconteceu. apesar de o fazer de vez em quando nunca tocaste no assunto e eu como que em acto de cobardia nunca perguntei. tenho pensado nisso. ás vezes quando penso em ti. porque ainda o faço de vez em quando. ficarei então talvez quase de certeza sempre na dúvida. porque não vieste ter comigo? não é dúvida. é uma certeza duvidosa que não tenho o direito de reclamar minha.
e sabes como me senti? maltratada.
mal amada eu. trata_se assim tão mal e pior ainda quando nada se fala. quando embarquei em palavras e me apaixonei por outros mundos. aventurei_me a tentar experimentar deixar_me levar porque queria ir onde ainda nunca ninguém me tinha levado. há um mundo de estrelas que não sei apagar. um caminho de nuvens por pisar. mares por nadar. lagos por afogar. mas disseste_me " a lua que espere nesses lugares".
então o que aconteceu em mim foi um tremendo de um enorme cansaço. o mesmo que hoje me prende à espreita sempre na mesma viagem. esta que conheço de cor nas rectas do caminho nas curvas da estrada e na lua que me há_de guiar.
devolve_me o que não te cheguei a dar e remete_me ao esquecimento. sem registo de chegada nem aviso de recepção. a devolver ao remetente.
com este texto terminei hoje o meu segundo caderno de escrita A5 de capa preta.
valerá a pena começar outro?
fotos de geoffroy demarquet