
estive a ler escritos antigos. os meus. o que me levou a pensar: porquê escrever tanto sobre o amor? nestes últimos meses intercalo-me com outras letras. mas não sei porquê tenho-me debruçado mais sobre este assunto. acho que tem a ver com as minhas opções de vida. as novas claro. os meus mais recentes projectos. será?...
nas suas mais variadas formas de expressão o amor conduz-me a tudo. sempre. no que faço. no que digo. no que penso. talvez por não o conseguir concentrar num só nem o agarrar num todo disperso-o.
logo que acordo não dispenso o café. sou dependente de cafeína. aqueço a água e coloco na chávena duas colheres de café e duas de açúcar. este ritual dos pares faz-me pensar...
após o tomar segue-se o primeiro cigarro do dia. é de manhã que as primeiras fumaças me transportam para outras formas de estar. assim ganho coragem para " o primeiro dia do resto da minha vida". fico a olhar o fumo de janela aberta. aquele movimento ondular acinzentado transparente conduz-me a algures num tempo sempre desacompanhada. que sorte por estar assim quieta no meu mais íntimo permanecer. estática. colada ao chão da casa que vou deixar.
abriu-se outra porta. outra etapa de mim. sem olhar atrás porque hoje tenho um projecto de vida. um dia uma amiga aqui em casa perguntou-me se eu tinha projectos de vida. ao qual eu respondi calada. aquilo fez-me pensar. não tinha projecto nenhum. desorientada conseguia encaminhar-me de pé no que na altura fez de mim um labirinto ainda maior do que aquele que sempre tinha tido até essa data.
hoje tenho não um mas vários projectos. de vida claro. e é nessa diversidade que me encontro mais madura mais segura mais senhora de mim. sei o que quero. como quero. quando quero. e com quem quero.
faz talvez dez ou onze anos que me separei. não sei a data ao certo nem quero saber. não me é importante. mantenho como ponto de referência os anos do pedro. fechou-se aí uma fase de mim. cor de rosa no ínicio. no fim bem magenta. lembro-me de uma coisa que a minha avó me disse enquanto na fase de enamoramento. " filha no amor há várias fases. a primeira no namoro é a fase das palavrinhas. a segunda no casamento a fase das palavras. a terceira no divórcio a fase dos palavrões. mas a pior de todas é a última. a fase do palavreado." ainda hoje em dia repito isto com uma boa gargalhada no fim tal como na altura em que a ouvi pela primeira vez.
mas confesso uma coisa. só aos meus piores inimigos desejo a fase do palavreado. é um jogo de malvadez quase demoníaco que nos vai destruindo aos poucos a capacidade de lucidez e de sossego.considero-me por natureza uma pessoa sossegada apesar de alguns desvarios de vez em quando. que falta me fazem! lúcida também. apesar das constantes loucuras que por vezes atravesso. e sabem-me a pouco. mas quando alguém nos finalmentes de uma separação seja ela qual for deita tudo a perder porque já nada tem a ganhar fica como que possuída por falta dessas duas capacidades. e novamente o par. uma dupla de respeito esta. dá que pensar...é aí que tenho de me valer de todos os exorcismos possíveis e imaginários para me livrar dos demónios que me querem alvoraçar. foi o que fiz. bati a porta e nem olhei segunda vez para trás.
eu gosto da loucura. como dizia régio "eu tenho a minha loucura!" os loucos sempre me seduziram. talvez pela criatividade com que conseguem dar a volta às horas comuns do dia
transformando-as em momentos memoráveis.
tenho de comprar um casacão de inverno com quadrados grandes a preto e branco. como aquele do "voando sobre um ninho de cucos". ou então treinar mais o permanecer em silêncio como o índio faz. ou refugiar-me numa casa fazendo-me passar por maluca porque os doidos andam todos lá fora à solta. assim consigo evitar o aprisionamento de alguns momentos que me condicionam no meu bem estar diário tornando-os também memoráveis.
como o de hoje com os meus alunos. tentar falar sobre o conceito de abstraccionismo perante uma plateia que está mais interessada em criticar o padrão das minhas calças com pseudo bolas acinzentadas num fundo neutro de preto quase tapadas na totalidade por uma túnica branca. que fazer para fugir desta condição de alvo de olhares e atenções e tentar conseguir que a mensagem de abstracto chegue limpa e audível à fonte a que é destinada? senti que ali o abstracto era eu...e mandei arrumar.
o amor também é uma coisa abstracta. não se vê. não se toca. não se cheira. não se prova. sente-se apenas.
para mim pode ser uma palavra. dita. escrita. pensada. sentida. um olhar. o respirar. ou apenas o gosto de uma boca. para outros tudo isto limitar-se-á ao abstracto.
acho que os meus alunos têm razão. aqui o abstraccionismo parte de mim. basta começar a pensar nas minhas calças. e isto dá que pensar.
agora façam as interpretações que desejarem...e parem de pensar.