29.6.08

e o carimbo é sofrido que nem uma dor de parto

e o carimbo é sofrido










escreveu uma carta todas as semanas durante meia vida. "às vezes não me lembrava que dizer - disse_me morta de riso - mas bastava_me saber que ele as recebia." a princípio foram cartões de cerimónia, depois foram pequenos papéis de amante furtiva, bilhetes perfumados de noiva fugaz, memoriais de negócios, documentos de amor e por último foram as cartas indignas de uma esposa abandonada que inventava doenças cruéis para obrigá_lo a voltar. uma noite de bom humor entornou_se_lhe o tinteiro por cima da carta acabada de escrever e em vez de rasgá_la acrescentou um post_scriptum: " como prova de amor mando_te as minhas lágrimas." de quando em vez, cansada de chorar, zombava da sua própria loucura. seis vezes foi substituída a funcionária dos correios e seis vezes ganhou a sua cumplicidade. só não lhe passou pela cabeça uma coisa: renunciar. e no entanto ele parecia insensível ao seu delírio: era como se escrevesse para ninguém.





in crónica de uma morte anunciada
de gabriel garcia márquez































o escrever para ninguém não me incomoda nada. incomoda_me sim se não consigo letrar. quase um ano de letras de mim para mim. mas os outros aqui também têm papel. espectadores invisíveis acompanham_me lado a lado sem nada dizer.ou sim. e assim me construo num espaço dentro. num interior onde partilho o mesmo ar que eles. banho_me nos suores dos dedos e mergulho nas águas de tinta. a preto claro. nunca me esclareço de dúvidas que lanço sem perguntar. ao ar. outras há que tombam na página. não gosto quando acontece. a estes pontos de interrogação chamo de sombras de incertezas. e é nas reticências que vivo mais. e abomino os pontos finais.
salvo_me

se quem me ler me apelida de nonsense tem razão. ou talvez não. lida sim. o abecedário cai_me urgente no papel. espalha_se na folha e perde_se nas páginas. aguenta_se a palavra e esconde_se a idéia nas entrelinhas.
fugir

pouco me importa se é lido. essa leitura é dona de mim. a escrita refaz_me. é a minha cara que se estampa no branco. e o carimbo é sofrido que nem uma dor de parto por cada vez que a faço.





fotos de katia chausheva

15 comentários:

Luís Galego disse...

e em vez de rasgá_la acrescentou um post_scriptum: " como prova de amor mando_te as minhas lágrimas." de quando em vez

vim aqui para me perturbar...mas a culpa é da beleza das palavras...

Unknown disse...

admirável, simplesmente admirável...

"o carimbo" ... não tem de ser necessariamente sempre doloroso... após a "dor de parto" há os mil e um sorrisos que o carimbo também pode estampar.

beijo terno

Carla disse...

apenas para dizer que percebo a tua necessidade de escrita...como se o ar se vestisse com as letras que rasgam o papel
...desassossega-me a tua escrirta, talverz por isso me encante
beijos

maria josé quintela disse...

se o carimbo não fosse sofrido não haveria mérito nos "suores dos dedos"

sem ponto final

mas com ponto de admiração!


um beijo.

Maria José disse...

A escrita, é um prolongamento de nós, quando chega a noite e lá fora o silêncio se ouve.

Dois Rios disse...

"a escrita refaz-me" - de fato a escrita recompõe, pontua, separa, organiza, dá fôlego... a escrita é um falar eterno.

beijo,

isabel mendes ferreira disse...

sofridamente belo.



.



muito e muito.

José Louro disse...

Durante algum tempo tb sofri de feridas no cheiro. Felizmente, como tudo, passou.
Obrigado por este bocadinho.

_E se eu fosse puta...Tu lias?_ disse...

Fantástico esse nobel da literatura e as imagens também!


Hoje estamos de Parabéns;)

beijocas

della-porther disse...

eu tinha perdido vc e ainda bem que reencontrei.
prazer vir aqui ler-te.

beijos

della

José Louro disse...

Desenhar nos transportes públicos é um exercício obrigatório para quem tem diário gráfico. Mas na verdade é como tu dizes...parecemos umas aves raras. Beijo.

Heduardo Kiesse disse...

li as papalvras e as fotos, lindas!!!

Anónimo disse...

participe em www.luso-poemas.net
seria uma honra

sou eu disse...

e liquefaz...

S. disse...

se a escrita te refaz, a ler-te me construo e das tuas letras levo o ar para também eu me refazer da escrita que rouba o sossego.
Um beijo grande e um agradecimento pela partilha :)